quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

O Natal de cada um de nós.






Feliz Natal.

Agora, o Natal tem outra cor e outro cheiro e nós olhamos para os presentes com o olhar de quem adivinhou os gostos das crianças. Agora, as crianças são os nossos filhos e quando passam o natal, aqui em casa, só pensamos se fizemos bem em oferecer aquele livro, apesar das negativas e não tem importância se o bacalhau tinha menos batatas e pouca couve. Isso vale o gosto e o prazer que da ceia pudemos experimentar. A minha mãe já foi descansar e aguentou as batatas mal cozidas e as sobremesas que não foram preparadas pelo seu rigor de muitos anos a fabricar o natal de todos os vinte e tal que nos éramos, antes dos casamentos que se desmembraram, ao longo da história da nossa família.

(Como no início da Ana Karenina.)
 “Filha, podes deitar fora o pano em que enrolámos o peru, era um pano já muito usado, limpo, mas muito usado. Deita-o fora, estamos a ir para a idade e mais pano, menos pano, só vale o que vale e um pano velho e limpo é só um pano velho. Estamos bem, filha, tens de ter mais paciência e pensar que amanhã estaremos a almoçar todos juntos. Já passei o natal no Equador, em Sevilha, em Paris, em Maputo (não se chamava assim), em Berlim, na Ilha de Moçambique, não tínhamos peru, mas eu também não tinha netos, e tu és uma guerreira. Deixa o natal em paz”. A minha mãe tem tanta razão. Tanta razão. As razões dela parecem pertencer a outra dimensão, a outro mundo. Os miúdos são malcriados e acham que o universo se uniu para os tramar… Tivesse eu irmãs e acharia que poderíamos fazer o pudim indiano de que o meu pai gosta e as filhós de sempre, pôr a toalha bordada a ponto de cruz e o centro mesa da Tia Elisa, mas eu sou filha única, a avó já não anda e eu não sei em que gaveta essas coisas estão guardadas. Fico até mais tarde a escrever este texto, porque o meu pai quer ler o jornal, o peru está no forno, o menino mais velho está ver televisão, a noite é muito longa e os “velhos”, desculpa mamã, dormem cada vez menos. Hoje, abrimos uma boa garrafa de vinho e gostámos de conversar sobre isso, eu e o meu pai, ainda temos muito assunto e todos gostam de nos ouvir discutir. Os miúdos adoram o avô e este é o natal que eu lhes posso dar. Eles gostam, lamentam a tia  madrinha que ficou na Ilha. Seríamos mais família à mesa e as crianças passariam o dia rir, mas não é possível. As famílias aumentam e partem para longe e as viagens de avião, só se pode vir de avião, são muito caras. “As vossas prendas estão guardadas e o Tomaz lerá A Odisseia, quando tiver de ser.” Feliz Natal para todos. A minha mãe adormeceu. Acho que o peru já está assado.

(Sabiam que um peru de seis quilogramas leva seis hora a assar?)

domingo, 22 de dezembro de 2013

Uma árvore de natal que não é minha.




Quero
neste Natal
armar uma árvore dentro de meu coração
e nela pendurar, ao invés de presentes,
o nome de todos os meus amigos.


Os amigos de longe e de perto,
os antigos e recentes,
os que vejo todos os dias
e os que raramente encontro.


Os sempre lembrados e
os que, às vezes,
ficam esquecidos.


Os constantes e os intermitentes,
os das horas difíceis
e os das horas alegres.


Os que, sem querer,
eu magoei ou,
sem querer
me magoaram.


Aqueles a quem conheço profundamente
e aqueles que me são conhecidas
 as aparências.


Os que pouco me devem
e aqueles a quem devo muito.


Meus amigos jovens,
 

Meus amigos homens feitos
 

Meus amigos humildes
e meus amigos importantes.


Os nomes de todos os que  passaram
pela  minha vida.


Os que me estimam e admiram
sem eu saber
e os que amo
e estimo sem lhes dar a entender.


Quero neste Natal armar uma árvore de raízes muito profundas
para que os seus  seus nomes
 nunca mais
 sejam arrancados.


Uma árvore de ramos muito extensos para que os novos nomes,
vindos de todas as partes,
venham juntar-se
aos  já existentes.


Uma árvore de sombra muito agradável
Para que a  nossa amizade,
seja um momento
de repouso

no meio
das lutas
da vida.


Não sei quem escreveu este texto, nem sei se corresponde ipsis verbis ao original, nada sei deste texto, no entanto, é vosso a partir de agora. Desculpem a minha falta de originalidade.

FELIZ NATAL

  

(Voltarei com o coração mais quente e os dedos cheios de açúcar.)

 

domingo, 15 de dezembro de 2013

In a relationship com banda sonora ou as andanças do facebuque.





In a relationship com banda sonora ou as andanças do feicebuque

Isto estava uma tristeza de fazer chorar as pedrinhas da calçada, umas páginas do feicebuque que eram uma lástima: nem uma polémica, nem uma discussão ou guerreia, ninguém a dizer mal de nenhum escritor português, nenhuma crítica aos jogadores de futebol, nenhum treinador enxovalhado, nenhum insulto, nenhuma descoberta que mudasse o rumo da história, nenhuma fotografia dos jantares de natal “lá do escritório”, nenhumas raparigas abraçadas a dizer “love you Carolina”, nenhum, pai natal a fazer de diretor de empresa, nenhuma mesinha com garrafinhas de Pepsi, digo Coca-Cola, nenhum professor de filosofia a bater na mulher, nenhuma praia paradisíaca de trikini, nenhuma mesa de natal cheia de perus recheados e nem um coelhinho vestido de político sério. Nada. Uma pasmaceira. Frases de poetas para cima, frases de gurus para baixo, sonhos salteados em canela e açúcar, muitas frases de filmes carregados de ensinamentos inéditos, receitas e anedotas sobre a crise, a prima da crise, a tia da crise - um feicebuque que não se podia, não se aguentava tanta ‘mesmice’ decorada numa página ou outra com uma travessa de arroz de pato, uma açordazinha de bacalhau, umas ondinhas de  ovos moles. E um dia de sol lá fora! Tanta coisa que deveria estar a acontecer, (se calhar, estavam todos a ler O Expresso!). Felicidade. Alegria, num céu azul, só possível nestes dias de dezembro e frio. E o feicebuque com os mesmos perfis de sempre.“ Isto está mesmo a pedir um casamento, umas bodas de ouro, um namoro escaldante, uma cena à Sol de Inverno”. E, pronto, escrevi  no meu mural: eu-fulana-de-tal in a relationship. Bem! Eu nem queria acreditar - passados alguns minutos comecei a receber likes, mensagens com felicitações,  smiles,  corações a piscar, estrelas com lacinhos, polegares azuis e enormes em mensagens privadas, polegares de “amigo” que eu não sabia tão preocupados com a  minha vida afetiva,  sms a perguntar quem era o felizardo. ”Como é que te acontece uma coisa destas e não me dizes nada? Ai! Mulher que contente que fiquei! Já estava na hora das coisas boas começarem a acontecer!”. “ O teu pai natal chegou mais cedo”. Confortada com tantas manifestações de calor e fraternidade, dei comigo a pensar que quem tem amigos no feicebuque tem tudo! Todos os meus amigos querem que eu me “case” e todos precisamos de ver, ‘claramente visto’ e escancarada a vida dos outros. Surpreendente, no entanto, a facilidade com que tiramos conclusões, ajuizamos e lemos o que Não está escrito nas páginas do feicebuque. Agradeço com o coração todo o vosso carinho e interesse pela minha vida amorosa, contudo, de momento, a minha única e feliz relação amorosa é com a Minha vida. Continuem a likar e a acompanhar os episódios seguintes, eu e a Vida agradecemos. Por enquanto é tudo, desculpem-me, mas “aqui não há coisa nenhuma”.

Ainda estamos em muito boa idade, não é verdade?

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Já escolheu? Temos também mini-pratos mais em conta.Trago já a lista dos combinados, minha senhora.





Já escolheu? Temos também mini-pratos, preços mais em conta.
Trago já a lista dos combinados, minha senhora.

Teria preferido ficar deitada na areia, a teu lado, a ver o ir e vir das ondas, as tuas proezas de bruços, ou a tua capacidade para me convenceres que o horizonte é  a tua pessoa ou as vossas pessoas. Teria preferido que não me tivesses perguntado pela posição das almofadas, ou pelo tempero da sopa. Teria preferido que nem sequer te tivesses atravessado no meu caminho e teria preferido que as nossas solidões alguma vez se tivessem, de novo, encontrado. Teria, se me tivessem dado a hipótese de escolher, preferido uma vida mais arrumadinha, organizada em gavetinhas, com grandes tratados com notas de rodapé e até teria começado a roer as unhas, teria deitado fora os meus vernizes atitude chique e vermelho tango, tudo isso eu teria trocado por um dia mais tranquilo, mais simplório e preenchido entre enxotar uns gatos vadios e o tempero picante do caldo de peixe, ou ainda, por um jantar à volta de um chili regado com Fernando Pessoa e a metafísica de uma discussão sobre grandes Arquitetos do Universo, a Existência de Deus e a necessidade de se escrever O tal verdadeiro e único livro. A Função da Arte na Sociedade e as Cem Soluções para sair da Crise. Teria deitado fora o meu orgulho, rapado para fora do prato algumas migalhas de arrogância e, até, teria começado a ir ao futebol se alguém mo tivesse pedido. Teria trocado os dias de sol com frio, de que tanto gosto, por uma semana inteirinha de chuvas torrenciais, ter-te-ia passado as camisas a ferro e vincado as calças cinzentas do fato completo, acordaria todos os dias às seis da manhã e ficaria uns quantos meses sem comprar botas, tanto que eu teria feito, se me tivessem  permitido escolher – Skip ou Persil; pepperoni ou extra cheese; papel de folha dupla, ou algodão em rama. Teriam sido escolhas, decisões conscientes, uma vida à la carte como um catálogo de tintas Robbialac, pois teria. Pois teria. Neste momento eu diria uma visão mais romântica do mundo e, com um bocadinho de esforço, o Pai Natal voltaria a instalar-se com maiúscula, ali, naquele canto da sala que tem a tomada para ligar as luzes, mas não… As prateleiras estavam todas desarrumadas, os saldos começaram mais cedo e, Quem lá está, se lá estiver Alguém, deu-me  a roupa conforme o frio, eu tiritava, nem dei conta, e o copo que para mim está sempre meio-cheio, entornou-se. Agora, desejo que o ano acabe, saio de casa sempre com a cama feita e faço os possíveis por ter saldo positivo até ao fim do mês. Apenas alguns exemplos. Agora, sem ter escolhido, nem a marca dos caldos Knorr que já não uso, nem a melhor forma de organizar o que ainda está para vir, olho para o mundo e penso que as nossas escolhas são simples conjugações de ADN e a cor das camisolas, a condizer com a saia, será o mais perto de fazermos o que nos apetece. Carpe diem? Não sei, porque se o dia não estiver de feição…. nem a Lídia se sentará connosco à beira-rio.

 

domingo, 8 de dezembro de 2013

Postal Ilustrado.

Cacela Velha / Fábrica
(Fotografia de Pedro Afonso Pereira, dezembro de 2013)


Postal  ilustrado.

Estava em quarto crescente a lua a subir. Na Ria Formosa. Nunca vimos a lua juntos na Ria Formosa, porque nunca vimos a lua. Juntos. Ontem brilhava na água. Seguiu a meu lado. Estava uma fria noite de dezembro e lembrei-me de outra noite e de outros dias, de outras fases da lua de dezembro e de outros meses, porque o tempo é apenas uma medida e o último dezembro foi apenas o último de um ano que acabou. Como as fases da lua. E, as vidas das pessoas. Estão cheias de sonhos, promessas, perdões e recomeços. Não sei de que cor teriam sido os dias se nos tivéssemos permitido ver a lua. Juntos. Não sei e tu também não, porque no outro lado do mar está muito calor e tu continuas a enxotar os gatos. E, que importância tem tudo isto, agora? Estas linhas são só para te dizer que há muitos dias de dezembro carregados de luz, aqui ao sul. O Guadiana brilhou o dia todo, mas as tardes arrefecem, quando o sol se põe e a lua insiste em aparecer. Acendem-se as estrelas e os sinos que reclamam a chegada do pai natal e na humidade dos vidros das janelas, se quisesse, poderia escrever o teu nome dentro de um coração. Com a ponta dos dedos. Procurarei o telhado da tua casa, o fumo na chaminé, talvez ainda me recorde dos traços gosseiros do teu rosto de moço. Talvez te acene, talvez. No regresso. Quando o sol mudar a cor da água da Ria. Não respondas, por favor. Já não são necessárias  palavras. O tempo é apenas uma medida, não é verdade?

As ruas estão muito coloridas, mas o chão está molhado, se não tivermos cuidado, podemos escorregar.

Um abraço.  


 

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Insípido incolor






Quanto ao insípido incolor, respondo-te assim: não há fotografia, porque não quis tirar fotografia com a artista, nunca gostei de  estive neste concerto e tirei um retrato para mostrar aos meus netos, por isso, não tenho uma fotografia para  alegrar a alegria de  ouvir e cantar We Used Call It Love. A noite estava muito fria e a boina era preta, basca, comprada, talvez, numa dessas Parfois que por aí crescem, o vestido, o meu, era muito quentinho de lã preta, o casaco, inócuo, de pele sintética, comprado num saldo, há uns quantos invernos. O vestido da cantora também era preto, mas tinha vidrinhos cor-de-rosa. Vestido de cantora, porque assim tinha de ser. As outras pessoas deveriam estar vestidas como pessoas que vão a concertos, numa noite fria de dezembro. Não registei nada de muito elegante, nem muito colorido. Uma ou outra saia encarnada, écharpes às flores, lábios rouge-passion e pouco mais. Mas acrescento-te um pied de poule, garrido, sentado a meu lado. Suspirou por um descafeinado falta imperdoável num sala de espetáculos desta dimensão, eu sem o descafeinado passo muito mal, e os rapazes foram muito antipáticos, mesmo boçais, e numa sala destas, amanhã vou mandar um mail, eu conheço a cantora e a mãe. Já estou aposentada e venho a alguns concertos. Nasci no estrangeiro e não estou habituada a portugueses mal-educados, agora à música venho mesmo, porque me oferecem os bilhetes, que esta rapariguinha também é minha conhecida. Olhe, venho já, vou ali cumprimentar um outro músico que conheço. Quando olhei, vi o pied de poule em bicos de pés, o tal músico conhecido pareceu-me surpreendido. Já não se lembra de mim. Quando quis beber o descafeinado que não tinham, veja lá, numa sala destas, encontrei uma amiga cantora que, também, não me reconheceu, sabe?! Já é a terceira vez esta noite. Não se lembram de mim. Pois claro, eu era morena e, agora, por causa dos brancos, estou loura, mas conheço-os a todos. O pied de poule de metro e meio, cabelos louros aos caracóis, óculos na ponta do nariz e um insistente colorido Maderas do Oriente, que me lembro de ver no psiché da minha tia Elisa, insistiu em cantar durante todo o concerto. Um bocado de cinzento e irritante pied de poule! Fiquei a pensar no tal mail. Na verdade, a falha do descafeinado caiu-me muito mal. Assim, de momento, não me lembro de mais nenhuma cor. Não sei, minha querida, se era a esta cor insípida de que falavas. Além das cores de Lovely Difficult, não sei. Não ouvi mais nada. Ah! Ainda, a propósito de cores, tenho na ponta dos dedos uma atitude chique, umas unhas pardas, brilhantes, entre o castanho taupe e o cinzento-escuro, muito moderno que fica bem com a roupa mais casual, ou mais de festa, se está vestida de preto, a cor atitude chique fica mais brilhante, já com as cores mais claras faz contraste. É uma questão de atitude, verdade? Quem assim tão bem me aconselha é a minha Rosalva de Minas Gerais, que trabalha com unhas e atitude há mais de vinte anos.

Era este o insípido incolor? 

                                                                                                              

Intervalo




Afinal, escolhi o verniz atitude chique para pintar as unhas, o vestido com roda e o casaco de pele que imita a outra e aquece o corpo. A boina a compor um calor vindo do outro lado do mar. Atitude era o passo rápido e a certeza que iria ficar com os olhos a brilhar. Às nove em ponto. Era, apenas, um intervalo, e então se "We Used Call It Love"?!