(- O teu cabelo está
tão comprido!)
- Sim. Não o corto desde o verão. Há três meses que não nos
vemos. Andamos de um lado para outro com as nossas vidinhas, o costume, sabes
como é. Nunca temos tempo para nada. Encontramo-nos poucas vezes. A cidade cresceu
para o rio, para o outro lado da cidade. Tu foste com ele. Tens as tuas razões.
Eu fiquei neste lado. Sei que não gostas, inventas histórias de assaltos,
falas dos velhos que moram em casarões cinzentos, das janelas sem vidros. Dizes
que a minha rua não tem uma farmácia. Uma padaria. Um café. Nada. Nem te
respondo, talvez tenhas razão. Cada uma fez as suas escolhas. Ficou a cor. As margens. A luz. Que nos pertencem. O céu da mesma cor. O
coração um só. E não, não estou sempre a dar-te prendas. Lembro-me de ti e, por
impulso, compro-te um pechisbeque. Se não gostares, não uses. Terias preferido
uma panela de sopa, uma travessa de rissóis, bifes panados. Já não me lembro se
gostas de croquetes. Os miúdos gostam e comem muito bem. Os meus e os teus.
Poderíamos trocar uma travessa de lasanha por um tabuleiro de bacalhau espiritual.
Aconselhar-me na compra de um par de
sapatos, dar a tua opinião sobre o quadros que vou pendurar na paredes do
escritório. Ouviríamos, sentadas no chão da sala, os parágrafos acabados
de alinhar. Os mexericos da moda fariam soltar as gargalhadas. Poderíamos ir
juntas ao supermercado, aos saldos, ao cinema. Nunca nos faltaria o açúcar e
beberíamos um Nespresso quando nos apetecesse. Iria contigo passear o cão.
Tirarias a roupa do estendal numa nuvem mais carregada. Teríamos a chave da
casa uma da outra. Não repetiríamos os livros, falaríamos mal dos homens, com o
tempo aprenderíamos a sofrer melhor. Sem lenços de papel. Acredita, amiga, que
tudo isto tem mais graça que o penduricalho que te ofereci. Não gostaste? Não
te rales.
Que importância é que isso tem?