Miguel Ângelo, Sibila Délfica (fragmento), Capela Sistina
Um ritmo perdido…
E silêncio não é
ausência,
Se um ramo partido não
mata uma árvore,
Um amor que é perdido, será
acabado?
Um ouvido que escuta,
Uma alma que espera…
- Uma onda desfeita
É ou já não era?
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quinta-feira, 26 de setembro de 2013
ritmo
terça-feira, 24 de setembro de 2013
segunda-feira, 23 de setembro de 2013
Que chegue o Outono.
(Lembras-te, Célia? Lembras-te de eu dizer que o teu coração ainda não estava curado? Lembras-te, Célia?)
Só o Outono nos
pertenceu.
Que chegue o Outono,
que chegue e apague o rasto deste calor. Chega outono, e instala-te nesta tua casa! Traz de volta o incêndio do gesto, o arrepio da água, a sombra colorida de um segredo.
Vem. Outono da memória, dos abraços e das mãos. A desenhar, com a ponta dos
dedos, a alegria do sorriso. A apontar o sinal na nuca, o perfil no ombro. Sei
no coração e na pele. As folhas no chão, um sol sentido, o gosto do
guloso cansaço. Vem! Quando chegares não batas à porta, não descalces os sapatos, não tires o chapéu. Quando chegares
Outono, leva-me a dançar.
(Eu avisei-te, Célia. Tu não quiseste ouvir!)
quinta-feira, 19 de setembro de 2013
quarta-feira, 18 de setembro de 2013
segunda-feira, 16 de setembro de 2013
O escritório - primeira parte
![]() |
Andrew Wyeth, Open and closed |
O Escritório - primeira parte.
Quando se entrava na casa e com os pés nos mosaicos preto e branco do corredor, o escritório ficava à esquerda, a primeira porta à esquerda. Uma entrada com duas folhas de madeira, vidro transparente na parte de cima e puxadores de porcelana branca, grandes e redondos. A fechadura abria com uma chave que eu nunca vi. As portas da casa não estavam fechadas, mas eu sabia que algumas não me pertenciam. A porta do escritório era a mais misteriosa de todas. O buraco da fechadura, no entanto, permitiu-me olhar, em silêncio e durante muito tempo, o que diziam os homens, as conversas sérias dos meus avós e o namoro com mão e beijos dos meus tios. Entrei no escritório a primeira vez, ainda não sabia ler. Uma tapeçaria com o nascimento de Jesus ocupava a parede da frente. O laço vermelho que fazia a esquadria de todas as paredes da casa desaparecia e o menino sorridente, no colo da mãe, mexia-se quando eu entrava. Só ele me via e recordo as repreensões daquele olhar. Os sorrisos das outras figuras. Bordados a ponto muito fino. Já sabia ler e escrever quando consegui tocar-lhe a primeira vez. Subi para a cadeira da secretária, equilibrei-me, estendi os braços e joguei a mão. A tremer de medo toquei nas oferendas espalhadas no chão. Eram muito macias. Suaves. Só consegui chegar aos pés de Maria, mas o que me salvava, sempre que me atrevia, era a moldura pesada e larga. Não há desenho do burro, São José, Virgem Maria e o menino sem o resguardo daquela fita de madeira brilhante. O escritório era o meu refúgio e o meu quarto de brinquedos. “Vai brincar com as tuas bonecas”, mas eu nunca gostei de brincar com bonecas. Sentava-me à secretária e imaginava homens, mulheres, sítios, futuro de livros e cadernos de linhas com muitas letras. As molduras com as fotografias do meu tio e do casamento dos meus pais, o tinteiro com a forma de uma cabeça de cavalo, o papel mata-borrão, o tinteiro Parker, o tapete de cabedal, um rectângulo castanho e dourado, o pisa papéis de vidro grosso e frio e com bolhas de ar coloridas, a caixinha dos selos e as gavetas foram brinquedos nas tardes de calor e chuva. O tempo passava de uma vez só. E quando me esticava para o interruptor saliente na parede que amparava a sombra de uma floreira, a penumbra já me pesava.
(continua)
Tenho uma prenda para te dar.
OFERTA
O que tenho para te dar? Uma gramática de sentimentos,
verbos sem o complemento de uma vida, os substantivos
mais pobres de um vocabulário íntimo - o amor, o desejo,
a ausência. Que frase construiremos com tão pouco? A
que léxico de paciência iremos roubar o que nos falta?
Então, ofereço-te uma outra casa. As paredes têm a
consistência do verso; o tecto, o peso de uma estrofe.
Abro-te as suas portas; e o sol entra pela janela de
uma sílaba, com o seu fogo vocálico, como se uma
palavra pudesse aquecer o frio que te envolve.
E pergunto-te: que outras palavras queres? A música
sonora de um ócio? O espesso manto com que o veludo
se escreve? O fundo luminoso do azul? Poderia dar-te
todas as palavras na caixa do poema; ou emprestar-te
o canto efémero em que se escondem do mundo.
Mas não é isso que me pedes. E a vida que pulsa
por entre advérbios e adjectivos esfuma-se depressa,
quando procuramos seguir a linha do verso. O que fica?,
perguntas-me. Um encontro no canto da memoria. Risos,
lágrimas, o terno murmúrio da noite. Nada, e tudo."
Nuno Júdice, O Estado dos Campos
O que tenho para te dar? Uma gramática de sentimentos,
verbos sem o complemento de uma vida, os substantivos
mais pobres de um vocabulário íntimo - o amor, o desejo,
a ausência. Que frase construiremos com tão pouco? A
que léxico de paciência iremos roubar o que nos falta?
Então, ofereço-te uma outra casa. As paredes têm a
consistência do verso; o tecto, o peso de uma estrofe.
Abro-te as suas portas; e o sol entra pela janela de
uma sílaba, com o seu fogo vocálico, como se uma
palavra pudesse aquecer o frio que te envolve.
E pergunto-te: que outras palavras queres? A música
sonora de um ócio? O espesso manto com que o veludo
se escreve? O fundo luminoso do azul? Poderia dar-te
todas as palavras na caixa do poema; ou emprestar-te
o canto efémero em que se escondem do mundo.
Mas não é isso que me pedes. E a vida que pulsa
por entre advérbios e adjectivos esfuma-se depressa,
quando procuramos seguir a linha do verso. O que fica?,
perguntas-me. Um encontro no canto da memoria. Risos,
lágrimas, o terno murmúrio da noite. Nada, e tudo."
Nuno Júdice, O Estado dos Campos
segunda-feira, 2 de setembro de 2013
Parabéns, João.
Parabéns, João.
O calor continua. Veio
assim do mês de agosto.
Entrámos no melhor mês do ano. O Setembro de
vindimas, marés cheias e praias desertas, cadernos, canetas novas. Este mês de
fim de férias, de sol a aparecer mais pálido e temperatura a baixar. Este é o
nosso mês, João. Nasceste às sete da tarde de um dia de setembro muito quente e húmido. Há quinze anos. Nasceste como o César e eu não me importei. És o
filho mais novo. O segundo rapaz. Gostei que tivesses nascido homem. Nasceste
com a cara encarniçada e muito cabelo. E eu disse à tua Avó: Ai! Este é tão feinho. E eras. Comprido,
cabeludo e encarniçado. Mas vieste bem e sereno, horas depois de teres nascido
tiveste fome e desde então nunca deixaste de comer com prazer e avidez. Também
és assim com a vida e a alegria : ávido, sôfrego. Com quinze dias começaste a
levantar a cabeça, a olhar com os olhos muito abertos para os sons, cores e
brilhos que te rodeavam. Quando não estavas a dormir. E dormias bem. Foi muito
fácil ver-te crescer. Não choravas. Não te incomodavam as pessoas e gostavas de
música. Erik Satie e Al Di Meola. Tornaste-te bonito, desenxovalhado e risonho. Foste um rapazinho feliz. Falaste sempre bem
e vias o teu irmão como uma continuação de ti próprio. Quando te perguntavam o
nome respondias: José. Com um
sorriso. Hoje não tens dúvidas e não gostas quando te confundem, ou comparam
com o teu irmão. Fazes quinze anos, João. Ser
quinze anos. Aos quinze anos há pouca coisa engraçada e é tudo muito
difícil: a escola é uma chatice, estudar e fazer os trabalhos de casa um
pesadelo, as raparigas são complicadas, os pais são uns chatos e o corpo e as
borbulhas não param de crescer. Eu sei, eu também tive quinze anos. Acredita, o
tempo passa muito depressa, mesmo que o teu tempo, com quinze anos, seja
diferente do tempo dos outros. Mesmo assim… Acredita, se conseguires. És tão irrequieto.
Irreverente e distraído. Às vezes, não sei onde estás, para onde foste e com
quem conversas. O João é muito livre, disse alguém sobre ti. Sim, és. E perdes o equipamento de Educação Física, os livros escolares o
passe do autocarro e o cartão da escola, nunca tens canetas, nem lápis, mas
nada disto te incomoda. Nem percebes a minha irritação. Vives preocupado com os
outros, com a injustiça e aos seis anos choraste durante um dia inteiro, porque
o buraco do ozono estava a aumentar. Estás longe. No mundo da lua. Num mundo melhor do que este, digo eu. Muito
curioso, um dia perguntaste por que é que os oceanos não entornavam, mas a
minha resposta não te convenceu. Há poucos dias, à noite, olhaste para a lua e
disseste: Lá está a lua que não cai e
nada sabemos sobre a gravidade. És assim e eu tenho um orgulho enorme em
ti. Tu não vês, mas eu rio para dentro com os teus disparates, as tuas distrações,
a tua curiosidade. Tens um sorriso que todos os dias me abraça e és tão bonito
e tão sensível que eu não saberei responder, quando me perguntares que vida
será a tua. Parabéns, João. Eu sei que gostamos muito um do outro e só isso
interessa, não é verdade?
Parabéns, João.
(Não me leves muito a
sério, quando digo que nasceste feio e encarnado. Não ligues. Pouco tempo
depois ficaste com esse olhar doce e as covinhas na face, que serão a perdição
de muitas raparigas. Não te esqueças: eu gostaria de ti mesmo que tivesses
nascido verde. Não te esqueças, meu querido filho.)
Parabéns, João.
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