
A minha mesa de trabalho.
Li há pouco
uma homenagem e louvor – seria? – às
secretárias desarrumadas, percebi que vários génios da nossa história são
génios apesar de terem as suas
secretárias desarrumadas, fiquei sem perceber se a sua genialidade está
relacionada com a desarrumação da suas mesas de trabalho, ou se as suas mesas de trabalho estão desarrumadas, porque
são génios, parece o mesmo, mas não é. Passo a explicar, se Steve Jobs era genial e
tinha sempre a mesa de trabalho desarrumada, esta era uma característica da sua
genialidade, no entanto, se a mesa de trabalho está desarrumada, pode ser-se
normal e desarrumado por força dos genes, da educação, do espaço, ou do tempo e
não resulta da criatividade do génio, ou da genialidade do criativo. Na minha
insipidez de pessoa normal, portanto sem genialidade, ou qualquer outra bênção, a
secretária desarrumada é um privilégio, uma característica, que me assiste.
Fico mais descansada. Posso ter a mesa de trabalho desarrumada e não ser um
génio, porque até os génios têm as mesas, as secretárias desarrumadas.
Dissolve-se, assim, um pouco, da minha banalidade, ganho afinidades com quem
mudou o mundo e posso adiar o tempo que entender a tarefa árdua, inútil e
efémera que é a limpeza da minha mesa
de trabalho, isto é, deitar fora os folhetos de publicidade que estão à espera
de ser rasgados; colocar por ordem as faturas que já paguei; livrar-me das
caixas de medicamentos, porque já comprei o que precisava; guardar dentro das
gavetas as agendas dos anos anteriores; inutilizar os cartões caducados; adivinhar
o que está escrito nos duzentos e trinta e oito papelinhos autocolantes
amarelos; decifrar os números nas folhas soltas que estão espalhadas, organizadas umas em cima das outras e
olham para mim com ar complacente; amachucar e pôr no papelão as caixinhas de
pastilha elástica vazias; ler e rasgar as cartas dos bancos, porque já aderi ao
extrato digital; separar as Atuais que de tanto esperar esqueci a verdadeira
razão por que as queria guardar; fechar os Dicionários e as Gramáticas; ouvir e
meter dentro das respetivas caixas os cds que, em silêncio, vão ganhando pó; arquivar
os últimos cartões escritos pelos amigos e as mensagens de amizade dos alunos,
os envelopes das análises, os negativos das fotografias, do tempo em que se
revelavam rolos de fotografia, as instruções do computador, os talões do
multibanco, as fotocópias dos cartões de cidadão da família toda, os
certificados de presença e participação nas ações de formação, que já não dão
créditos; deitar fora ou guardar todos os recibos que se acumularam na carteira
estragada; anotar a referência de um baton rançoso; devolver o manual de
utilização da Bimby, objeto que não tenho, nem nunca virei a ter; decorar o
refrão daquelas canções; verificar a
lista das compras e os vales do Continente; pôr à venda no Olx o comando de uma
aparelhagem que já não funciona; destinar os bloquinhos de apontamentos com
frases do Paulo Coelho, que nunca foram utilizados e, por fim, encontrar uma
caneta ou um lápis afiado, porque, desde que o computador ocupa o maior espaço
da minha mesa de trabalho, nunca encontro nem uma coisa, nem outra e tenho de
me levantar, milhentas vezes, se preciso de tomar uma nota muito importante, ou
escrever um recado. Afiar os lápis e guardar, preciosamente, as canetas de
cores é a única coisa que justifica a canseira que é a limpeza de uma mesa de
trabalho. Deve ser por isto que o Einstein desenvolveu a teoria da relatividade
com um pauzinho de giz branco e o Mark Zuckerberg se lembrou que uma página de FaceBook
era muito melhor do que pedir emprestada uma caneta para apontar o telefone das
raparigas com quem queria sair.
Entretanto,
a minha mesa de trabalho ficará como está – desarrumada e caótica - o único
sinal da minha passagem por este mundo. De momento não me ocorre mais nada.
Crónica fabulosa sobre a desarrumatite crónica da mesa de trabalho, ou as nossas mesas no seu estado natural.
ResponderEliminarA imagem é um must. E quem é tão doutoral, circunspecto e desarrumado cavalheiro?
ResponderEliminarÉ o Einstein.
ResponderEliminarE quem assim escreve nada tem de insipidez, cabe dizer. Há quem verta a genialidade em obra. Há quem seja genial a simplesmente viver. É uma benção mais discreta. Mas convém marcar, "inscrever" alguns laivos; que as lições fiquem escritas, pede-se. Por causa da memória, que é volátil.
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