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sábado, 29 de março de 2014
quarta-feira, 26 de março de 2014
Cheesecake.
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(fotografia de Patrícia Pintéus, Março de 2014, Cheese.com.) |
Cheesecake.
A mancha é vermelha, framboesa, uma mancha de
brilho, salpicada com gotas prateadas. Por baixo, uma fita larga de
natas e gelatina, que a lâmina da faca não respeita, uma camada mais grossa de
bolacha e açúcar compõe o círculo guloso e suporta todas as investidas.
Durante três dias, talvez dois, uma caixa branca com dois corações cor de rosa,
desenhados a caneta de feltro, guardará os restos irregulares - dispostos ao
gosto e jeito dos dedos lambuzados - desse círculo doce e sôfrego.
Um pequeno prazer, desfeito à colher e o
silêncio de dois pares de olhos risonhos. Nada de muito importante. Ou glorioso.
Apenas a felicidade num prato sujo de cheesecake de framboesa. Às vezes, é
quanto baste.
segunda-feira, 17 de março de 2014
Domingo à noite
Domingo à
noite
As escadas
não têm pó, os cantos foram muito bem limpos e no tampo da mesa não se escreve o
teu nome, um palavrão, nada. Uma mesa de madeira, como devem ser as mesas de
madeira limpas e arrumadas. A sala está imaculada, os livros estão fechados e
têm dentro um marcador, um pano de linho cobre a banqueta forrada a brocado
branco, o écran da televisão está escuro e brilhante, as jarras têm flores, o
candeeiro de vidro mostra a parede branca, o céu escureceu, a lua cheia faz-lhe
companhia e, até, se pode ouvir música. No ar, o cheiro nosso, de casa, laranja
e âmbar, quente, invisível. No silêncio, percebo os dedos no teclado e uma
torneira a pingar. Paira a voz da vizinha, a porta de um carro a fechar-se, a
linha de rio ao fim da rua, se me levantasse para o ver. Há quadros novos na
parede, uma taça de vidro na mesinha da entrada onde se podem poisar as
chaves, quando chegamos a casa. Respiro fundo, encolho os ombros e penso em ti.
Se aqui estivesses, eu não teria reparado na limpeza do chão e as cadeiras
estariam desalinhadas. Estaríamos a ouvir uma canção de que não gosto, teria
aberto o Expresso, talvez pedisses pizza para o jantar e eu, por momentos,
pensaria no desconcerto do mundo discutiríamos
a opinião conservadora e homofóbica dos teus colegas betos, ouviríamos atentos os argumentos do teu irmão, entraríamos,
calmos, na semana de aulas, trabalhos de casa, testes intermédios e
despertadores. Como fazemos sempre ao domingo, antes do jantar. Mas tu não
estás, o teu irmão também não e só consigo pensar que não te conheço, não sei o
que te falta, não entendo o teu sofrimento - o meu foi tão diferente! Vejo a
raiva que cresce, a mochila atirada para o chão, os livros sem capa, o desespero
do teu olhar, a agressividade nos gestos, vejo a voz a crescer, o corpo
descontrolado, os pés descalços, sempre descalços, a angústia na recusa e o
coração que não controlas a troçar da tua fragilidade. Tu não estás aqui, a meu
lado, mas nunca daqui saíste, nunca sais, a tua presença não me incomoda, vivo
mal sem o teu sentido de humor e não sei com te hei de dizer isto, não sei! Ter quinze anos é
tremendo, mas olha, também é tremendo
ser-se. Depois dos quinze vêm os dezasseis, os dezassete e por aí fora,
pouca coisa muda e nada, ou quase nada, melhora com o passar do tempo,
garanto-te. Aprendemos a viver com o que somos, o que temos, de vez em quando, batemos
o pé, jogamos um copo ao chão, derramamos uma cerveja na cabeça de alguém e
aprendemos a ser pontuais. Arranjamos um deus, deitamos cá para fora o amor com
que nascemos, entretemo-nos a namorar e, um dia, acharemos graça à
primavera, mas os quinze anos só ficarão longe no relógio e, sim, as
borbulhas desaparecem. Prometo-te.
É tremendo ser-se, acredita.
E tu serás capaz de me prometer que vais
pensar em tudo o que eu te disse?
domingo, 16 de março de 2014
love poem to no one in particular.
Love Poem to No One in Particular
Let me touch you with my words
for my hands lie limp as empty gloves.
Let my words stroke your hair
slide down your back
and tickle your belly
for my hands light and free flying as bricks.
Ignore my wishes and stubbornly refuse to carry out my quietest desires.
Let my words enter your mind
bearing torches.
Admit them willingly into your being
so they may caress you gently
within.
Mark O'Brian
quinta-feira, 13 de março de 2014
Ouvido por aí.
Ouvido por aí
“Que bom é estar dentro
da minha vida”, pois dentro da minha vida, também, não se está nada mal.
O dia começou radioso e animado. Não houve choros, nem gritos de gaivota
enraivecida, nem tão pouco vidros partidos, ou portas esventradas a pontapé.
Não, nada disso, apenas, uma garganta inflamada, uma febre que ronda os trinta e
oito (à sombra); a cabeça cheia de pregos; duas contas para pagar; a
conta do supermercado de cento e vinte e cinco euros e quarenta e dois cêntimos à qual foram
retirados os supérfluos, que é como quem diz tudo o que tem 23% de IVA (tudo,
tudo não, porque uma fatia de queijo amanteigado nunca fez mal a ninguém); um
adolescente (essa invenção da burguesia endinheirada que não sabia como entreter
os filhos durante os períodos – longos –em que a escola fechava para ir a
banhos - outra invenção recente, acompanhada de
sandes de pasta de atum), dizia eu, um adolescente que odeia a escola e
durante trinta e cinco minutos tentou convencer-me que estava doente; um
incómodo que insiste em fazer-se sentir a meu lado; os gritos do vizinho que
deixou o cão fechado em casa ( é o vizinho que grita, pois claro, porque o cão
não deveria ficar tantas horas fechado em casa, oxalá fique com uma dor de
garganta-arranhada-inflamada, e que não
me peça uma lamela de pastilhas
Mebocína, eu não lha dou, pronto! ); uma senhora simpática insiste em
dizer-me que temos de ter muita paciência
porque fases más todos temos na vida, precisamos de passar por elas para nos
fortalecermos e tornarmos as almas mais nobres aos olhos de Deus (a tia dela também, diria alguém); um rapaz que me oferece duas canetas e um bloco
de notas, se eu deixar de pagar o contador do gás e todos os dias me bate à
porta; dois senhores da política que assinaram um papel e só foram exonerados, porque Caxias está transformado em hotel de
charme, como agora se diz, ou estarei enganada? Se calhar o hotel de charme é
noutro sítio, mas para o caso também não interessa; a água a deixar um rasto de
dor quando engulo; este sol lindo e quentinho a entrar-me pela vida dentro; as
pessoas todas com aquela cara de felicidade como se vivessem no melhor filme de
Indiana Jones e a esquecer que à noite ainda faz muito frio e nem todos somos
filhos do mesmo pai e da mesma mãe; os trabalhadores a fazer greve e o senhor
na televisão a dizer que é apenas mais um
momento de luta; D. José Policarpo
morreu e os seus pares dizem que Deus escreve
direito por linhas tortas, este senhor, por acaso, não estava dentro da
minha vida, mas se quando eu morrer disserem o mesmo, por favor, calem-se. Tudo isto está nesta vida onde se está
bem, cá dentro, porque eu não ia no Boeing 777, nem irei A Kuala Lumpur nos
próximos dias, se algum dia lá irei, não sei – tudo à minha volta é um mistério
e animação constantes. E Imprevistos, porque se eu soubesse o que o futuro me
reserva talvez não me levantasse da cama todos os dias, esta profunda citação não
é minha, eu também não digo de quem é – não quero qualquer um dentro da minha
vida. Porque se está bem cá dentro. Por agora, e porque não estão bem (nem mal)
dentro da minha vida, aproveitem o sol quentinho, bebam muitas coca-colas zero,
com muito gelo, dispam as camisinhas de marca, estiquem as varizes, chupitem umas
jolas à beira- Tejo e façam de conta que dentro das vossas vidas está o melhor
que podem ter neste país amarelinho, morninho de selfies rosadinhos, muito gloss,
auto-estradas e restaurantes saudáveis.
Que bem se está dentro
da minha vida!
terça-feira, 11 de março de 2014
Os outros
Os outros.
Nunca
pensava nas pessoas como se de obstáculos ou barreiras se tratassem. Eram
pessoas como ela. Ela e os outros. É assim com toda a gente. Com todas as
pessoas. Às vezes, percebia que a olhavam com desconfiança, pensava que deveria
ter estampado no rosto o estúpido sorriso de quem está, apenas, vivo. Se calhar pensam que ganhei o euromilhões,
que mudei de emprego, que enlouqueci e continuavam pelo mesmo caminho,
ela e o seu sorriso estúpido. Em dias de mágoa e de cansaço evitava olhar. Os outros.
As pessoas eram-lhe indiferentes. Não percebia se lhe sorriam ou troçavam dos
seus sapatos. Eram pessoas. Eram outros. Ela era ela. Uma outra pessoa.
Uma pessoa como as outras pessoas. Quando ficava em casa, num dia como o de hoje –soalheiro
e luminoso – as pessoas não a incomodavam,
estavam na rua, longe, dentro das suas
vidas. No entanto, não conseguia deixar de pensar que o dia de
hoje tinha sido um bom dia, passei um bom
dia, um dia tranquilo, preguiçoso, luminoso. Sozinha, sem ruído. Sem movimento.
Sem os outros. Sem pessoas. Li que amanhã o dia também será de sol e calor. Veremos.
Quem será o dia de amanhã?
Quem será o dia de amanhã?
segunda-feira, 10 de março de 2014
Sentada na cama a mulher olhava o mar.
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Auguste Rodin, O Beijo
Sentada na
cama a mulher olhava o mar.
Sentada na
cama a mulher olhava o mar. Azul. Em ondas que morriam nos seus olhos. A mulher
esperava. O homem que chegaria. Não
tardarei. Deito-me a teu lado. Não tardarei. A mulher esperava. Na pele
pressentia já a sua língua. A boca na boca. Chegaria, em minutos, o homem.
Conhecia-o desde sempre, tratava-o por homem, não sabia o seu nome. Pressentia
a pele dele na sua. A língua. Seria o cheiro o primeiro a chegar. Depois os
dedos. Depois os dedos. Depois os dedos sem nada para rasgar. A pele. Os olhos
na penumbra. A boca. Ah! Sim, a boca. O homem chegou. Encostou-se.
Roçou-se, muito devagar, quando se deitou a seu lado. Lembrou-se do seu cheiro.
Lembrou-se das mãos. Lembrou-se por inteiro. Chegou-se a ele. Pediu-lhe a pele.
Exigiu a língua. Gemiam devagar. A respiração em surdina. Cresciam ao lado um
do outro. Rolava o desejo. Enrolavam-se beijos. A língua. Ah! A língua, ela
lembrava-se. Exigentes. Sôfregos. Mais lentos, depois mais rápidos. As mãos em
nó. A respiração gotejava no grito.
Surdo, o grito. Quase a sair da garganta. Abria-se-lhes, o corpo, a carne. As
pernas num só passo, contorciam-se a passos de língua, a gestos de sexo.
Colados, sentiram chegar como um tremor desencontrado, o arrepio. Nas mãos
abertas e na pele sentiram o corpo a abrir, num soluço, de perna, sexo e
língua.
Ficaram
parados o resto do dia.
O resto da noite.
Quando se
sentaram na cama olharam o mar pela última vez.
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domingo, 9 de março de 2014
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