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Pablo Picasso, Bride,1969 O Vestido de noiva amarelo
Sou do amarelo solar e brilhante como todas as flores que se soltam
na primavera. Sou do amarelo e caso no domingo. No próximo domingo. Escolhi o
domingo, porque é o dia da semana de que mais gosto. Não tenho a melancolia dos
domingos e só fico triste, o que é muito raro, quando tenho de olhar para um
dia sem sol. Às vezes, acontece, mas mesmo nos dias cinzentos da estação do ano
mais dourada, o sol espreita por trás de uma nuvem qualquer. Quando era uma criança
insuportável, passeava todos os domingos, de mão dada, com o meu pai. Lembro-me
do seu sorriso claro, das mãos grandes e dos dedos amarelos da nicotina. Ouvia
dizer que os dedos manchados pelo fumo dos cigarros era mau sinal. Doentio e sujo. Eu não me importava, eram os dedos do meu pai, por isso, podiam estar amarelos.
Eu sou do amarelo. E caso no domingo. Rosas amarelas, uma mesa cheia de pão-de-ló
e copos delicados com uma risca muito fininha de ouro vivo. Também gosto do
champanhe, porque é amarelo. Sim. Mais claro, quase transparente, mas amarelo, ou
melhor, amarelinho e faz cócegas no céu da boca. Terei tudo isso. E um vestido
amarelo. Tenho sonhado com um vestido de noiva amarelo. Não quero branco. Eu
sou diferente: sou do amarelo. Sonhei com um decote que deixasse de fora os
ombros e mais nada. Um vestido com um decote em forma de lua deitada, muito
justo na cintura, e a tapar metade dos joelhos, sem botões nas costas e uma
saia rodada desde a anca até à bainha.
Sonho com este vestido todas as noites. Sempre sonhei comigo de vestido
amarelo, alegre, vistoso e envergonhado, ao mesmo tempo.Magnético. Confortável.
Esplendoroso. Caso no domingo e ainda não tenho o meu vestido amarelo. Procurei em
lojas chiques, em lojas pequenas de vão de escada, em lojas hippies, em lojas
com montras altas e em lojas de vestidos de todas as cores. Tenho andado à chuva
pelas avenidas da cidade. Molhada. Às voltas. A entrar e a sair. A vestir e a
despir. Insisto no amarelo. No sol. Esplendoroso. Magnético. O vestido para a noiva
que serei eu no próximo domingo. Corro atrás do metro, da hora de ponta, do
autocarro e ao taxista pedi que me levasse à rua das lojas dos vestidos
amarelos. ‘Essa rua não existe, menina’. Insisto. Tem de haver uma rua de lojas
que vendam vestidos amarelos. ‘Só amarelos, menina?’ Sim, respondo. E engulo um
nó. Caso domingo, dia de sol e de vestidos simples e esplêndidos. Amarelos. E
se não encontrar o meu vestido? O vestido dos meus sonhos. Talvez não o
encontre. Nunca. Casarei no domingo com um vestido de outra cor. Sim. Sentirei
a falta do meu vestido amarelo. Mas vou fazer de conta que o decote é em forma
de lua deitada e amarela. Assim será como se o tivesse – o meu vestido. À minha
medida e da cor que me pertence. Farei de conta que casei com o meu vestido.
Aquele vestido que era meu. Talvez a vida seja isto. Viver com o que tanta
falta nos faz. Nem que seja um vestido amarelo.
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quinta-feira, 3 de outubro de 2013
O vestido de noiva amarelo.
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Gostei. Tb tenho falta de um vestido amarelo. Sedoso e brilhante. :)
ResponderEliminarAmarelo sim, vestido amarelo. Adoro amarelo. Amarelo açafrão. Luz e alegria. Mas porquê vestido amarelo de noiva? De noiva, naaaaão. Vestido amarelo. Às vezes a incompletude é o mais completo. "Talvez a vida seja isto".
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