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Fotografia de Fernando Cabrita, Ria Formosa A sensação da frescura do ar livre no interior do seu automóvel.
O cheiro era uma mistura de loja gigante de artigos made in china e o tal odor que assegura
o ambiente limpo e fresco durante mais, muito mais de quarenta dias. Uma
fragância indefinida e violenta – um bouquet de lilases, salpicado com notas de
laranja, âmbar, dois tempos de jasmim, um toque de baunilha e mel. Má literatura. Plástico e borracha. Pensei. Ambientador de casa de banho no exato
momento em que se abre o frasco, ou descola o adesivo. Acre, doce, agressivo. A
fazer doer a cabeça e a tornar um jantar agradável, na Hamburgaria da moda, num
pesadelo igual ao daquele senhor que na televisão nos mostra restaurantes com
ratazanas congeladas, peixe cozido ao vapor de um prazo de validade
ultrapassado. O hamburguer, por momentos, foi um nó muito apertado. Enjoada. Só conseguia
pensar e cheirar em âmbar, baunilha, baratas e ratos a apodrecer numa arca congeladora.
Expliquei que um cheiro muito forte pode ser muito perturbador, alterar o
humor,excitar, impedir a introspeção, transformar um momento romântico num
pesadelo e...e… e… OH! Mãe que exagero, a
mim o táxi só me cheira a táxi limpo e fresco a iniciar o turno da noite. Et, voilà, a lucidez de um miúdo de quinze
anos a desfazer um elaborado e filosófico discurso sobre as diferentes maneiras
de cheirar o mesmo âmbar. Não me rendi. Mas
não achaste que o táxi tinha um cheiro muito intenso, muito forte? Não ficaste
incomodado? Não era o cheiro normal daquelas árvores verdes que se penduram no
espelho retrovisor e cheiram pretensiosamente a floresta, não, não, era um
cheiro insuportável! Não te cheirou? Não, nada o incomodara, nada. Sou uma
exagerada. E fazes muitos filmes na tua
cabeça e, pelos vistos, também, na minha pituitária. A viagem foi curta,
anoitecia devagar, uma lua lá em cima, o teste de matemática era um assunto esquecido, havia uma
hora de facebook que saíra no bolo rei se estivéssemos no natal, duas horas de
Lusíadas agendadas para o sábado e domingo e nas próximas horas seríamos só os
dois, Mãe, acho que és uma boa mãe, muito
boa mãe e fazes muito bem o teu trabalho, não tenhas dúvidas sobre isso Às
vezes, não me apetece falar sobre mim, não tenho nada para te dizer. É só isso,
mãe. Não te preocupes. Podias ter ido ver o rio, beber um copo de vinho com os
teus amigos. Eu não me importo de ficar sozinho. Tu tens de ter uma vida só tua.
Oh! Mãe! Sabes, ando a conversar com uma rapariga, conversamos muito. Mãe, é só
isso! Continuo sem perceber por que é que ficaste tão agoniada, quando entraste
no táxi, o cheiro era assim tão mau? Também não sei filho, mas já passou! E, olha,
meu menino, estás no facebook há quarenta
e cinco minutos…Amanhã, é dia de treino.
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sexta-feira, 16 de maio de 2014
A sensação da frescura do ar livre no interior do seu automóvel
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