![]() |
Mimi Tavares, One Night Stand, 2012. |
One night stand
Estico os braços e percebo as costas lisas, macias, largas: um homem misturou-se comigo no último cubo de gelo. O olhar. Via
um par de olhos, lembrava-se dos azuis, brilhantes, a estatura, a aproximação
das mãos, o ruído de uma canção que se
conhece de cor, o cigarro que caiu no chão, “tem lume?”, muito óbvia a
pergunta, na noite, num refrão gasto por onde se deixa arrastar o corpo não se
pensa. No óbvio. Não se pensa. Tinha os olhos abertos doridos e olhava para
aquele corpo, a seu lado, semi nu. Apagam-se as palavras, amolecem os
gestos, o corpo insiste, quase se toca, pressente-se um desejo – uma solidão
igual. Doía-lhe tudo, a existência, a respiração ofegante, sem nome,
atravessado na sua cama desfeita, já sem penumbra. Com a dor e o que insistia
em ver, em procurar, viu o apoio - um longo balcão de imagens repetidas, em
frente, havia um espelho, viu os olhos brilhantes, vítreos, na sua frente. Na cabeça, ouvia o bater do seu coração, a conversa
igual, a banalidade dos desabafos, as mãos dadas, sim, tinham dado as mãos, devem
ter rido: o choro não traz desconhecidos para casa, a tresandar a gin. Mexia-se
a custo. O desespero e uma angústia espalhavam-se pelo corpo, na garganta seca,
nem a sinceridade de um gemido, não conseguia afastar-se, endireitar-se. Sem pudor - o sol,"ajudar-me-á”. Tossiu e sentiu um golpe. As costas subiam,
procuravam a almofada. O corpo de costas macias, lisas e largas mexeu-se. “Olá,
tens um cigarro? ”Um indicador mostrou-lhe o chão encerado e a roupa espalhada.”Deve
estar, por aí, um isqueiro”. A frase arrancada deixou um risco de enjoo. “A
casa de banho?”. Com o olhar, mostrou-lhe o caminho. “É a porta pintada de azul”.
Tinha frio. Cobriu-se com lençol e ajustou o corpo a procurar conforto. “Queres
que te deixe o meu número de telefone?”. A cabeça, muito devagar, acenou.“Não vou precisar do número de telefone, para nada. Despacha-te.
Vai-te embora!” Cruzou os braços, viu as horas, lembrou-se de um almoço, ou
seria um lanche? “Adeus, foi um prazer”. Sorriu. “Não duvido”. A cabeça ao
ritmo do coração.
(Porra....ainda me dói o Francisco. Foda-se! )
Sem comentários:
Enviar um comentário