( um bocado de papel
para reciclar)
Para o F.
Sou pouco dada às palavras – lia com dificuldade as letras
das canções que cantarolavas – e os sentimentos não são, como sabes, matéria da
minha preferência, quero, no entanto, à sombra destes dias de inquietação,
dizer-te, num último parágrafo, que encontrei um par de botas pretas acima do
joelho; aprendi, por fim, a fazer puré de batata e a Maria Felicidade, irmã da
Sãozinha, que não chegaste a conhecer, continua desaparecida. Trivialidades.
Nada disto faria muito sentido, se não tivesses encontrado debaixo da mesa que
compraste na Feira da Ladra, a minha caneta de tinta permanente e uma beata
fria com restos do meu baton. Vês tu?! Eu tinha razão: o amor não existe. Deixo
a chave que me emprestaste – fizeste questão de dizer, várias vezes, que era
emprestada! – na caixa do correio. Se, por acaso, ainda houver algum rasto
meu: um cabelo, uma mancha de perfume, um botão, deita-o fora – o passado é o
tempo que nos fica colado à pele, não podemos permitir que nos agarre, também,
a alma. Quanto à caneta podes ficar com ela, quando a tinta secar, poderás
arrumá-la no fundo de uma gaveta, ou oferecê-la a quem aprecie, ainda, um aparo
a raspar o papel. A caneta é um objeto: podemos fazer com ele o que por bem entendermos,
os objetos não têm remorsos.
Adeus.
Lamento as banalidades deste último parágrafo. Ou, talvez,
não.
P.S. – Não te preocupes, não irias gostar das botas – são
demasiado brilhantes – pisar-me-ias, num passo mais arrojado, ao som de uma
canção de Frank Sinatra.
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