Parabéns,
João.
O dia dois
de Setembro de 1998 amanheceu nublado e húmido. O ar muito
quente colava-se à pele e à respiração. Sabia que o caminho para o hospital
seria rápido e que chegarias de tarde, à hora marcada e de bem com a vida. Nasceste
encarniçado, despenteado e cheio de fome. Já te contei uma centena de vezes
tudo isto e sabes que dias depois de teres nascido, eras um rapazinho bonito e
bem disposto. À tua volta tudo te distraía e te animava. Gostavas de música, de
ouvir as histórias que te contávamos e de comer. Os teus primeiros anos foram
de alegria, brincadeira e muita conversa. Aprendeste a falar e a andar muito
cedo. Um dia, um amigo mais crescido de quem tu gostavas muito disse que eras
um «miúdo muito livre». Pois. Percebemos esse teu gosto pela liberdade (e pela
ireverência) no teu primeiro dia de escola: sem percebermos como, conseguiste
perder, em segundos, os atacadores dos sapatos e a mochila. Nunca registavas os
trabalhos de casa, hábito que manténs com militância, estar sentado quieto e
calado na sala de aula continua a ser, para ti, um martírio. Não conheces a palavra arrumação,
perdes a capa dos livros escolares e estragas sapatos com
vontade e sem medo. Com facilidade fazes amigos, falas com fluência inglês e
alemão, gostas de uma boa gargalhada, de raparigas loiras – a Sara Sampaio deve
ser a excepção – e de descobrir bandas novas no Youtube. Quando olho para ti,
vejo-te numa nuvem qualquer, perdido num sonho, ou num pensamento. Não resisto
aos teus olhos brilhantes, por isso, é-me muito difícil dizer-te não. Mas digo e tu não gostas.
Tratas com tanto
amor os teus avós, os teus primos e as pessoas que te pertencem, às vezes, penso
que o teu coração vai rebentar. Não tenho dúvidas que a generosidade fará de ti
um homem de bem. Eu estarei de olho em ti. Um dia destes encontrarás o teu
caminho e dir-me-ás: «Mãe, anda cá, preciso de falar contigo.» Talvez nos
sentemos a conversar, de mão dada, a ouvir Doors, ou Pearl Jam. Talvez me
digas o que queres ser quando fores grande, ou, como hoje, me perguntes, entre
uma gargalhada e um arrepio: «Mãe, qual é o sentido da vida?» Não sei que
conversas serão as nossas e quantos centímetros mais irás crescer, não sei que
mundo será o teu. Não sei, meu querido filho.
Sei que
metade do meu coração te pertence, há dezassete anos.
Parabéns.
Parabéns.
Não te preocupes
com o sentido da vida.
[…] Segue o
teu destino/Rega as tuas plantas/Ama as tuas rosas./ O resto é a sombra/De árvores
alheias […] Ricardo Reis.
Isto dizem
os poetas, as mães costumam dizer outras verdades.
(Tem cuidado, João, ainda há bocadinhos de
vidro no chão da cozinha. Olha para o que estás a fazer – o chão da cozinha pode
ter vidros, as garrafas que deixaste cair, lembraste? Em que é que estavas a
pensar? Por onde andas? Em que nuvem te sentaste? Que queres tu, afinal?)
Coisas de
mãe, adoro-te filho.