segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Os teus fins de semana são sempre iguais.


Os teus fins de semana são sempre iguais.
 


Os teus fins de semana são sempre iguais.

Dançaram a noite toda, foi tudo naquele lusco-fusco a cheirar a cigarros, hálitos de mentol, gin tónico, transpiração derramada e perfumes que fazem questão em exibir numa saia mais curta, num decote mais atrevido, ele apreciou a silhueta de menina, a leveza do gesto, o bom gosto, na saia preta e nos sapatos de plástico a imitar verniz, ela, mais frágil, quase acreditou no beijo de oiro, nas mãos dele que não largavam a sua cintura. É na fragilidade e na tristeza que as pessoas se encontram, dizia alguém, ela preferia acreditar, que as pessoas se encontram na alegria de uma gargalhada fácil. À noite, é tudo encenado, preparado e ensaiado ao espelho, durante horas. Tudo escusado. A semana constrói-se na dureza de um futuro que se desconhece, compro uns pneus novos para o carro, ou mudo as lentes dos óculos do puto, se calhar este Natal não iremos à terra, as crianças têm de compreender que uma consola chega para os dois, a prestação da arca congeladora está atrasada, não visito o filho mais velho, porque isso já não fará grande diferença, agora na rua da frente abriu um pronto a comer, não é muito barato, mas evita-se o parque de estacionamento, as tentações do champô da juventude e o creme que tira os papos a volta dos olhos, este Natal não se incomodará com a Popota, eram coisas da Teresa e ela, agora, desde que vive com a mãe está mais preocupada com os sábados de Karaoke, coitada também com a vida que eu lhe dei! Ela está bem, o apartamento dos pais é em Massamá, já está pago, ela é filha única, tem um emprego estável. Educa bem os miúdos. Enfim, talvez fosse… Passo a semana a lavar camisas e a mandá-las passar a ferro, por isso, o fim de semana, é tudo que eu espero que seja. Casei muito novo, vieram logo os filhos, os horários e um raio de um trabalho em computadores que já não dá futuro a ninguém. Há vinte anos conhecera a Teresa enquanto dançavam o Thriller, eram tempos de muita loucura, o Tiago já tinha nascido e a Teresa pareceu-lhe perceber as frases que ele mal pronunciava. Foi tudo num ápice. Foi assim. Agora, ia para a noite à sexta, ao sábado e ao domingo era no centro comercial que gastava a nota que trocara na noite anterior, cinema e Macdonald com os putos. Já não eram muito putos, mas alguma coisa, algum exemplo teria de lhes deixar, no início eram os bonecos do Happy Meal. Era exemplo suficiente. Mais que suficiente! No último domingo o mais velho comunicou-lhe que teria de alternar os domingos com a namorada, a ele pareceu-lhe bem, se ela não aparecesse seria menos  UCBO a menos, as miúdas também comem que se fartam, e as copas dos soutiens…. lembrou-se da miúda esguia da noite anterior, era gira , copa mais pequena, dançava bem, já a vira várias vezes, mas não... aquilo era muita dor de cabeça, se ela quisesse dariam uma queca, se ela quisesse… ele teria de encolher a barriga, não tinha unhas para aquela guitarra, mas reparou no puto mais novo à  volta dela, talvez tivessem muito que dizer um ao outro, depois viu-os sair juntos, não lhes pareceu que acabassem na cama, dizem que só as mulheres têm intuição, os homens também têm. OH! Se têm! Clareava, quando saíram, ele mantinha a mão à volta da cintura. Ela gostava, gostou do sabor e do cheiro dele. Despediram-se. Com um bom beijo. Ela gostou do beijo e do que ele disse um bom beijo  e de  que ele não tivesse insistido no pequeno-almoço.

Nem no Tejo.

Entre eles havia dezoito anos de diferença, dezoito anos não é nada, o tempo é uma arbitrariedade.Não existe.Tinham passado dezoito anos que nunca existiram, dezoito anos de música, blusões e pulseiras de cabedal, marcas de iogurte, artes marciais era tudo diferente. E obrigatório. E o Foucault? O que é que tem o Foucalt?  És mais feliz por teres lido o Foucalt?

Foi para casa a sentir-se cansada e, no entanto, mais leve. Menos cabeça. Mais feliz? Isso quereria dizer exatamente o quê: mais feliz!

É-se mais feliz quando se leu Foucault?





sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Sabias que tens cara de quem gosta de sushi?!





Tens cara de quem gosta de sushi.

Entretanto, adormeci, fui puxada para dentro de uma nuvem e levava comigo um enorme cansaço e a certeza dos acordes da canção de Jonh Coltrane, Time After Time, que não te dirá nada, se calhar nem conheces – o que não me parece importante, comparado com a vastidão do prado verde que eu conseguia ver, deitada na nuvem que insistia em empurrar-me, ou talvez, apenas, me embalasse, neste sono a passar pelas brasas, que me cobria com outro sol, outro chão, outra vida. Estava bem, ali, naquele bocado de cama, feito de algodão, feito de ar, feito do pó dourado, (é verdade, que é dourado?) de que serão feitos os nossos sonhos? Aqui e ali, acomodava-me num buraco mais do meu tamanho…. deixava-me ir.  Não percebo nada de sonhos e o mais longe que consigo ir é à Pedra Filosofal e à perspetiva de um prémio milionário do Euro Milhões. São muito raras as vezes em que sonho este sonho de algodão e nuvens pintado a quimeras. Os sonhos que saem feitos e prontos dos livros da Anita são-me “estrangeiros” (Albert Camus apreciaria a minha comparação!) e, como não me pagam as contas, nem fazem de mim um ser mais etéreo, mais perfeito e mais completo, deixam-me muito indiferente, às vezes inquieto-me, mas durante  pouco tempo, Talvez, por tudo isto, este deixar-me levar entre um acorde do Coltrane e uma nuvem de algodão - ainda que estar de olhos fechados – me deixasse a pensar que teria abusado do gin ou o comprimido para dormir estivesse estragado....

 Li os Clássicos Russos, fui uma razoável aluna de Ciências da Natureza, acredito que Neil Amstrong deu o tal grande passo para a Humanidade e a penicilina já me curou uma infeção muito, muito feia, daí que a minha relação com o sonho seja idêntica à de uma amante fodida depois da vitória do glorioso - acreditava no que havia para acreditar e, no dia seguinte, o Senhor Zé continuaria a assentar as compras no Dever e no Haver, no caderno preto de capa dura, portanto, a nuvem que me chamava e o prado verde não me conduziam, ao que eu julgava ser, o tal do Nirvana de que tanto se fala, efabula e vende como pães quentes,  à noite, nas vésperas de feriado. Continuava a insistir no poder do gin e no verde do prado verde que, convenhamos, tinha uma bela cor, além disso, restava-me a música e o tal cansaço. Mas sonhava. E sonhava. E sonhava.

Quando o sol nasceu, eu já não me lembrava da cor do prado, ou da leveza da nuvem, mas foi a luz do sol a deitar-se, sem pudor, na minha almofada e os teus dedos a percorrerem o contorno do meu pescoço que, sem nenhuma compaixão, me disseram: Estavas a sonhar, tiveste um sono muito agitado. Sabias que falas durante o sono? Agora, que olho bem para ti, posso confirmar - tens cara de quem gosta de sushi.
Pois! Pensei eu.
Será esta a matéria de que são feitas as nossas esperanças?!

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

"Isto sou eu a falar!"






isto sou eu a falar, não interessa nada.

….estou a precisar do mundo, entendes? sair daqui, saltar para fora destes degraus, olhar outros rostos, outros cheiros, consegues perceber a  minha pena ao ver passar sempre à mesma hora, à mesma luz, no mesmo banco, o mesmo comboio? para onde irão todos os outros comboios? que  haverá além, mais além, das nuvens? não consigo perceber esta vontade súbita de fechar a porta, não olhar para trás e seguir por aí… não procuro respostas, já sei as respostas, todas? sim, quase todas, não será isso presunção? não, são, apenas, muitos anos a ouvir que o dia de amanhã será outro dia, o ano tem trezentos e sessenta e cinco ou trezentos e seis dias, que depois do verão virá o outono, que uma grávida demora nove meses a dar à luz uma rapaz ou uma rapariga, que não vemos o nosso rosto, a ondular, duas vezes na água do mesmo rio, que a terra é redonda e que, agora, que sou grande não sou ‘serás o que deus nosso senhor quiser’ – sabe lá ele que eu existo enrolada nesta saia de pregas e camisola castanha! não sei se conseguirás entender esta ânsia de me partir, ou talvez de  me ver partir, ou apenas, de partir por aí, não consigo explicar melhor e não tenho a pretensão de achar que os teus sapatos são melhores do que os meus, da tua janela  vê-se o mar e achas isso muito bom, ainda bem,  olha,  eu  consigo distinguir, umas sabrinas trinta e seis de uns sapatos trinta e sete, reconheço as botas de fim de estação, os sapatos de saldo e os pés vaidosos de uma mulher solteira, porquê? porque  moro numa cave, sim e, também, sou boa a olhar, tão boa que percebo que o sacos das farmácias são cada mais pequenos, a fruta que a família de cima compra no supermercado já não enche dois sacos e, agora,  é o miúdo mais novo que faz as compras , preciso  abandonar este cheiro a roupa feia e pobre,  que insiste em ficar, no ar, nos dias em que não posso abrir as janelas, não quero o algarve, nem a costa da caparica e cresce-me um nó no estômago, cada vez, que penso que o mais longe que consigo ir é à trafaria, não me servem as tuas palavras, não as quero para nada, pois claro, que há muita gente que nunca viu o mar e continuo a receber o ordenado, certinho, no dia trinta ou trinta e um de cada mês, sabes o cheiro que fica no ar quando os cães cagam aqui, mesmo, debaixo da minha janela? o pão-de-ló continua a ter o mesmo gosto do da tia Zulmira, mas não cheirava  a caca de cão, pois não? eu já sabia tudo isto, quando vim para Lisboa? talvez soubesse, percebi foi tarde de mais que o cheiro a merda não melhora com o pedigree dos bichos, nem com a qualidade da ração, quero ir-me embora, ir daqui para fora, seguir, sempre, sempre, aquelas placas que dizem ‘Outros Destinos’ e eu a ir sem destino nenhum, entendes o  que eu quero dizer, quando te digo, que já não me apetece  sentar nos  bancos da estação de cascais, a ver passar os comboios? lá, ao fundo, está o mar, e tu sabes, que eu  gosto muito do mar, e do outro lado já pensaste no que poderá estar? já alguma vez foste ao outro lado? e, neste lado, já alguma estiveste? deixo-me destas conversas de chacha  que já não me podes ouvir e queres ver o jogo do benfica em paz?! sim, traz um frango assado com picante e muitas batatas fritas, não gostas de picante? então traz metade com picante e outra metade com molho de limão, ah!, só vais depois do jogo, com o frango que sobrar faço arroz de frango, agrada-te? não, homem, com o arroz já não se sente o sabor a picante, sim, farei, como tu gostas, o jesus é estúpido? mas tu não gostavas dele?

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Escrever é triste.






Escrever é triste.
É triste escrever. São as dores que se espalham na folha em branco, escritas com a ponta dos dedos de unhas muito roídas, ou muito pintadas, escorregam pelo papel as lágrimas, as faltas, os pesares, os pedidos que se intimidam e ficam calados no bolso do casaco, às vezes, caem, quando os bolsos têm buracos, estão descosidos e não aguentam o peso das moedas. Escrever é triste, mais triste do que pôr flores em jarras, como dizia o poeta. Surgem e impõem a sua vontade de ser gente a quem nada se pediu, trazem do lado de dentro o cheiro a sémen e a sangue. São gente em que não acreditamos, mas não resistimos. Os desgostos que contam, os lutos que vivem. Escrever é dizer que esta alma não nos serve assim como é, queremos outra e as mágoas ganham forma de parágrafo, de períodos, com ponto final. Saem de um sítio que nem sabemos que existe. Triste. Um buraco sem fim. Crescem pessoas, aparecem histórias, sem felicidade, sem sombra. Escrever não é dizer dia de sol, porque um dia de sol não se escreve, existe, escrevê-lo é apenas dizê-lo, ficar nas palavras que alinham um dia de sol, com letras de teclas a saltar, ou caneta de aparo que range, mesmo que lá fora esteja a chover. É na ausência que se escreve, na espera, na saudade, na vontade de um corpo que pede outro. Em vão. Triste esta existência feita de quem lê o que nunca esteve escrito - falsas as histórias, invenções súbitas, vozes que querem calar, consolar o que não tem consolo. A voz de quem escreve é uma canção triste, esta canção triste que tem de ser escrita, cantada numa gramática velha. Esta voz a entoar uma melopeia. De noite, de dia, de madrugada. Chega e não pede licença para ser. Quase uma pessoa de corpo inteiro. Uma pessoa triste. Conta as desculpas das faltas, a razão dos prantos, as mãos a desfazerem-se na folha de papel. E a dor implacável. Que se diga que viver é uma condição e uma intenção não se escreve, porque não é triste. Escrever é triste como a crueldade da esperança. Uma morte que não deixa um rasto de memória. Escrever é triste como pensar muito. Como a revolta, a dor e a fome de quem não come há muitos dias. A procura de salvação na escrita é como escrever o texto mais triste. Sem Deus, sem deuses, sem redenção. Sem paz. Sem fim. As belas histórias- lindas canções de encantar, são escritos tristes, iguais ao raio de sol que se pintou no papel, enquanto trovejava. E, por isso, escrever é triste. É uma resposta à pergunta triste: e, agora, meu amor? Um romance, uma novela, um conto e teríamos a resposta intacta. Vidas inteirinhas arrumadas, junto às paredes, vestidas como hussardos ou czares. Não mudo uma linha, não sei responder – as histórias não pintam a minha razão de que escrever é triste.