Escrever é
triste.
É
triste escrever. São as dores que se espalham na folha em branco, escritas com
a ponta dos dedos de unhas muito roídas, ou muito pintadas, escorregam pelo
papel as lágrimas, as faltas, os pesares, os pedidos que se intimidam e ficam
calados no bolso do casaco, às vezes, caem, quando os bolsos têm buracos, estão
descosidos e não aguentam o peso das moedas. Escrever é triste, mais triste do
que pôr flores em jarras, como dizia o poeta. Surgem e impõem a sua vontade de
ser gente a quem nada se pediu, trazem do lado de dentro o cheiro a sémen e a
sangue. São gente em que não acreditamos, mas não resistimos. Os desgostos que
contam, os lutos que vivem. Escrever é dizer que esta alma não nos serve assim
como é, queremos outra e as mágoas ganham forma de parágrafo, de períodos, com
ponto final. Saem de um sítio que nem sabemos que existe. Triste. Um buraco sem
fim. Crescem pessoas, aparecem histórias, sem felicidade, sem sombra. Escrever
não é dizer dia de sol, porque um dia de sol não se escreve, existe, escrevê-lo
é apenas dizê-lo, ficar nas palavras que alinham um dia de sol, com letras de
teclas a saltar, ou caneta de aparo que range, mesmo que lá fora esteja a
chover. É na ausência que se escreve, na espera, na saudade, na vontade de um
corpo que pede outro. Em vão. Triste esta existência feita de quem lê o que
nunca esteve escrito - falsas as histórias, invenções súbitas, vozes que querem
calar, consolar o que não tem consolo. A voz de quem escreve é uma canção
triste, esta canção triste que tem de ser escrita, cantada numa gramática
velha. Esta voz a entoar uma melopeia. De noite, de dia, de madrugada. Chega e
não pede licença para ser. Quase uma pessoa de corpo inteiro. Uma pessoa
triste. Conta as desculpas das faltas, a razão dos prantos, as mãos a
desfazerem-se na folha de papel. E a dor implacável. Que se diga que viver é
uma condição e uma intenção não se escreve, porque não é triste. Escrever é
triste como a crueldade da esperança. Uma morte que não deixa um rasto de
memória. Escrever é triste como pensar muito. Como a revolta, a dor e a fome de
quem não come há muitos dias. A procura de salvação na escrita é como escrever
o texto mais triste. Sem Deus, sem deuses, sem redenção. Sem paz. Sem fim. As
belas histórias- lindas canções de encantar, são escritos tristes, iguais ao
raio de sol que se pintou no papel, enquanto trovejava. E, por isso, escrever é
triste. É uma resposta à pergunta triste: e,
agora, meu amor? Um romance, uma novela, um conto e teríamos a resposta
intacta. Vidas inteirinhas arrumadas, junto às paredes, vestidas como hussardos
ou czares. Não mudo uma linha, não sei
responder – as histórias não pintam a minha razão de que escrever é triste.
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Escrever é a salvação!
ResponderEliminarAdoro tudo o que escreves. Derramas-te nas letras que compõem as palavras, que compõem as frases feitas de ti. Escrever é entrega!
ResponderEliminarEscrever é extravasar: o que não cabe mais, seja triste ou não. :)
ResponderEliminarEste texto é uma inscrição gravada no corpo, interna. "Escrever é triste como a crueldade da esperança." Tanta beleza na tristeza, L.David. Que sabedoria maior é esta de a pores assim em palavras?
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