Ao telemóvel entre o Cais do Sodré e
o Marquês de Pombal.
O rapaz da
tatuagem.
Os rapazes, quando são rapazes são todos
iguais, bem, iguais, iguaizinhos, não serão, mas até ao momento em que mudam a primeira
fralda, choram a primeira alegria da vitória de um filho, ou soluçam, estiolados,
a morte da mãe, são sempre rapazes iguais, ainda que iguaizinhos, iguazinhos não possam
ser, porque há uma “coisa”, descoberta há pouco tempo, chamada genética, com
muitos cromossomas herdados do pai e da mãe, que os distingue na cor do cabelo,
tamanho das mãos, lisura da pele, o tamanho do dito. Acrescente-se, além, da
rua onde crescem, a escola onde aprendem a ler, a preferência ou a repulsa pelo
Nestum, o uso da Mustela ou do sabão azul e branco. Os rapazes - louvemos algumas
excepções – como diria a minha tia Rosinha que morreu solteira, mas que conheceu
muito bem o género masculino, “os rapazes, quer dizer, os homens é tudo farinha
do mesmo saco”. Quando era miúda e ouvia a voz sábia desta minha tia muito
vaidosa, sempre na rua e de livro na mão, achava que a ciência acabava ali. Com
esta minha tia aprendi quase tudo o que havia a aprender sobre o sexo
masculino, em teoria. Como é óbvio. À medida que fui crescendo, não só fui
constatando que ela era uma mulher sapientíssima sobre o género humano, em
geral, e, sobre rapazes, em particular. Na época, devorava com ela tudo o que aparecia
da Corin Tellado e do Max du Veuzit, o sonoro também ajudava e os admiradores
que lhe elogiavam o baton da Thaber também devem ter sido grandes inspiradores.
Falo de rapazes do “mesmo saco de farinha” e desta minha tia que não saía à
rua sem pintar os lábios e pentear com mil cuidados o cabelo que usava muito curto, porque, apesar de durante algum
tempo, ter acreditado que “os homens mudaram” e que “as mulheres se emanciparam”,
tenho de concordar que, apesar de se mudarem os tempos e as vontades (terão
mudado? até pareço a minha avó a falar) mudou, sobretudo a variedade da cor dos
batons e a possibilidade de os rapazes, os tais, “da farinha do mesmo saco”, poderem,
se assim o entenderem, pintar os lábios, as unhas, as costas, as costelas,
furar as orelhas, alargar o furo das orelhas, depilar o peito e outras zonas
mais sensíveis, não porque a moda seja ditadora, mas porque a imagem que gostam
de ver refletida no espelho, deve ser muito idêntica à da minha maravilhosa
tia. Perfeita… À medida de cada um. Pois, claro - uma figura esbelta, cintura
fina, pele agradável ao tacto, colorida sem o incómodo do pó de arroz que
obrigava aplicações frequentes, o cabelo com um bom corte, a calça
a condizer com a camisa, ou com a saia, o sapato engraxado, se for o caso, ou
de tecido, de marca, muito caros e apetecíveis, à venda, em qualquer site online.
Nesta comparação a minha tia está em desvantagem, porque morreu muito antes da
La Redoute, do ebay e do Facebook. Dizem os entendidos que a estes rapazes que
continuam a ser “farinha do mesmo saco” se dá a classificação de metrossexuais,
o epíteto não deixa de ter a sua graça, mas ainda não consegui descodificá-lo,
no entanto, consta que uma nova tendência dita agora o modelo lenhador de
camisa aos quadrados e machado na mão, não sei que nome se lhes dá e, de
momento, parece-me irrelevante. De volta ao espelho, que é sempre onde tudo
começa, tive há dias a sorte de conhecer um jovem rapaz, no sentido bíblico do
termo, passo a falta de originalidade e a heresia da expressão, da tal “farinha
do mesmo saco” dos outros todos, que entremeando elogios à doçura da minha boca
e à elegância do meu pescoço me fez lembrar a minha Tia Rosinha, sempre que num
gesto mais ousado me exibia as cores da bela
tatuagem-carregada-de-energia-positiva e se esforçava por aplicar, num frémito
de desejo, ensinamentos, atrás de ensinamentos estudados nesse Kamasutra do século XXI, chamado As
Cinquenta Sombras de Grey. Não fiquei convencida – a tatuagem perdeu a cor no
primeiro arroto, depois da cerveja da ressaca e resumir o encontro entre dois
corpos a uma série de exercícios, quiçá, copiados de uma qualquer lição da Jane
Fonda!? Não, me parece. No entanto, o que me faz pensar cada vez mais nesta
minha tia de lábios cor de carmim é a falta de originalidade na sedução. Na composição da personagem. Nas
primeiras palavras que se trocam, nas promessas de ver a lua cheia, ou
na constante utilização do mais belo sorriso do balcão e os mais belos olhos
que aqui estão… Minha querida Tia, ainda bem que lemos todos aqueles
livros, mas deixa-me discordar: as raparigas também não pertencem a “sacos de
farinha” assim tão diferentes. A vida está mal para todos!!! Um dia destes
apresento-te umas quantas, está prometido! A este propósito e, porque eras uma senhora
com muito mundo acrescentarias, como Vieira que tanto apreciavas, “tudo isto é
matéria para muita doutrina”, terias razão. Só um pequeno pormenor me confunde -
o gosto pelas tatuagens, o culto religioso, sim religioso, do corpo, estará
ligada à leitura dos clássicos, ao bairro onde se mora, ou será apenas uma
maneira de estar na vida?
Diferentes tons de cinzento, viagens a Las
Vegas, muito sexo ensaiado no ginásio e um corpo que se exibe em todos os
espelhos em que se tropeça serão as fórmulas para uma nova ideia de felicidade?
Então, Tia Rosinha, que me dizes? Tens alguma
ideia sobre o assunto?
Eu estou sem cor….
(Para descanso e tranquilidade dos meus amigos defensores da moral e dos bons costumes este texto é só isso - mais um texto, uma brincadeira, ficção e, pronto!)
(Para descanso e tranquilidade dos meus amigos defensores da moral e dos bons costumes este texto é só isso - mais um texto, uma brincadeira, ficção e, pronto!)
Dás-nos muitas coisas para pensar!
ResponderEliminarFiquei presa numa: gostaria de poder afirmar que mulheres e homens evoluiram
positivamente, tanto na forma de se relacionarem uns com os outros, como consigo próprios mas, infelizmente, não consigo vislumbrar nada digno de nota nesta matéria.
Mais uma delícia. Obrigada Linda
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