terça-feira, 12 de maio de 2015

as mãos




 

(fotografia de Isabel Fernandes, maio 2015)


as mãos

de apertar os sapatos, as chaves na mão a abrir a porta, as mãos a apagar a luz, a limpar os vidros, a escrever na folha em branco, as mãos  de enroscar, de abanar, de acariciar, de ajustar o cinto, as mãos sobre a mesa a esticar a toalha, a contar os garfos, a dobrar as pontas do quadrado de papel, as mãos a contar os sonhos, a esfregar os olhos, a secar as lágrimas, a sufocar as gargalhadas, as mãos a dar a mão  às mãos, a puxar as sombras, a afastar as moscas e a escolher o feijão, a contar os cêntimos, as mãos estendidas, as unhas encardidas a cheirar a fome, as mãos miseráveis, a implorar, a desejar  outro dia, as mãos do copo cheio, o ritmo, as mãos em prece, as mãos de velho, as unhas  rasgam as peles dos dedos da mão,  as mãos penteiam,  ouvem,  puxam o prazer, gemem, desfazem, pedem, as mãos encontram, as mãos a apalpar o calor na testa, a amassar o pão, as mãos a dizer adeus, a aplaudir, a esfregarem-se uma na outra, as mãos da bofetada, as mãos em silêncio, as mãos a cheirar a merda, a bordar o lenço, as mãos a justificar, o dedo a apontar, as mãos mais sujas, sempre limpas, as mãos à sombra, ao sol, as mãos a crescer, as mãos a ficarem sós, a seguir o caminho certo, a errar nos cruzamentos, as mãos na estrada, a andar, as mãos que dizem “volto já” e não voltam, desaparecem, as mãos  não regressam, as mãos não param, as mãos sangram, falam, as mãos cheias de palavras a viver, as mãos a morrer, a ficar, a cair, a segurar, as mãos, as mãos, a mão, as mãos na pele, as mãos no rosto, o cheiro das mãos, as feridas, as marcas do relógio no pulso encostado à mão, as mãos perguntam, as mãos  desenham no vidro um recorte, as mãos, a mão, as mãos sem paz, as mãos, as mãos em  ti, as mãos fechadas, as mãos sem fim



 

1 comentário:

  1. Lindíssimo. Sim, as mãos são isso tudo. Mas é pela inteligência do coração e pela humildade da vida que se sabe pôr assim o mundo nas mãos. Mãos realmente operárias, e por isso tão finas na genuinidade. Mãos que transformam, portanto. Um beijo nessas mãos, querida L. David.

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