sábado, 22 de agosto de 2015

Regresso à casa - As tardes de verão sem praia.Parte I


                                                                   

                                                  José de Guimarães, Camões e D.Sebastião.


    

                                              
                   
Regresso à casa.

As tardes de verão sem praia. Parte I

Nos dias sem sol, quando o vento norte trazia a água fria e não deixava entrar o levante, ficávamos em casa. As horas passavam devagar sem gente, nem correrias ou cuidados com a digestão. A leitura ainda estava longe, as bonecas não falavam e as mulheres da casa arrumavam o dia entre a açorda, as limpezas e as costuras. Sobravam-me as paredes brancas e os lápis de carvão. Ensaiava na cal que não conseguia descascar os números, gostava muito do dois: parece um cisne, mas também pode ser um pato desenhava-os grandes com o pescoço muito longo e um bico mais pequeno ou ensaiava uma família numerosa com pai, mãe e filhos, fazia  linhas de números dois - com traço grosso - a passear ao longo do rodapé que rematava as lajes do chão, geométricas e enceradas a encarnado de tingir os joelhos, as rendas do vestido e os pés descalços.  Era o quarto dos baús enormes,  protegidos do pó e do tempo  por uma capa de tecido que fechava com botões de vários tamanhos, nunca percebi o desenho da chita que forrava esses baús, quando os  botões começaram a não resistir às investidas dos meus dedos a cor já tinha desaparecido. Eu gostava daqueles botões, dos buraquinhos que mostravam a cor dos baús e das linhas que se soltavam, sabia que porque não brincas com bonecas? e o já te disse que os baús te podem cair em cima eram a legenda de mais uma tarde sem sol e sem calor passada naquele quarto de paredes brancas. Bastava um dia sem verão para o quarto com uma janela de fecho ferrugento se transformar num exercício de matemática, já então indecifrável, ou numa roda de conversa com pessoas que vinham da rua, das conversas dos crescidos e das notícias do jornal que eu ouvia ler. Esta miúda não se cala. Olha o que fizeste às paredes, têm de ser caiadas, outra vez. Eu sabia de cor as frases zangadas, mas também percebia o olhar tranquilo das mulheres da casa porque a menina depois de dormir a folga tem de fazer alguma coisa, coitadinha, e a tarde passeava-se tranquila, indiferente ao frio do vento norte e à praia deserta.     

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