segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Texto com bolinha ou variações sobre um quadro de Dali



Resultado de imagem para Rapariga à janela Dali
Salvador Dali, Rapariga à janela

Texto com bolinha ou variações sobre um quadro de Dali

Lembra-se de ter visto esta janela no Museu do Prado, estavam ambas, lá, por acaso, ela e a rapariga do Dali. Entrara na sala de Dali pela mão de um filho, era uma exposição temporária e, enquanto os outros  ficaram com os relógios e a cara da Gala, ela ficara, suspensa, a olhar para aquela janela, para o movimento do corpo bordado a tecido claro, colado às ancas largas, as pernas roliças, o rosto escondido pelas madeixas de cabelo, o pé displicente apoiado na ponta dos dedos, o mar com uma vela muito distante, o reflexo no vidro, o panejamento repuxado pela violência da janela escancarada, um pano, ou um lenço, do lado esquerdo, o corpo da rapariga sem mãos nem rosto. Sentia o seu respirar, pensou que as mãos poderiam estar cruzadas,ou abandonadas a um desejo que a sensualidade do vestido exibia sem pudor. Ficou muito tempo mergulhada naquele mar, sentiu, por momentos que aquela janela lhe pertencia. Não era grande apreciadora de Dali - não desprezava a sua genialidade - gostava dos surrealistas. Mas Dali não era o seu preferido, daí o seu espanto...aquele bocadinho de vidro da janela a refletir as casas e o movimento sensual daquela mancha branca de muita cor e luz, durante muito tempo, não a largavam. Nunca mais a largaram. Tem feito, ao longo da vida, muitas legendas para aquele retângulo de mar emoldurado, quase simétrico, interrompido pela mancha branca de  cor e luz, de uma mulher. Imagina-se a mulher - a rapariga do vestido colado às costas e às pernas -, vê-se com as mãos enterradas na barriga a amparar os movimentos, intensos, sempre mais intensos, ritmados, compassados - em música - do corpo do homem que, da sombra de um céu cinzento, se entregou  às suas coxas e se colou ao seu corpo. As palmas das mãos abertas tocam nos ombros, a voz dele lambia-lhe o pescoço, a mão direita procurava, rastejando, o nó do seu prazer. (a rapariga da janela com sexo à frente) A mão esquerda do homem segurava a moldura de madeira a que os movimentos de ambos se agarravam. Endireitou-se, encontrou o seu lugar entre a a boca e o prazer que aumentava e se roçava na pele, ao som de uma valsa tocada ao piano. (a rapariga da janela com sexo à frente  não se mexia ao frio de novembro, nem ao vento do mar) Um movimento levantou-lhe o vestido, a mão grande do homem abriu caminho, molhou os dedos e no primeiro gesto simultâneo, entrou nela, ávido, a saciar as bocas. Ficaram um só. Ofegantes. Libertavam-se. Um e outro. Dois acordes da mesma canção nos seus ouvidos. Quando acabaram de se beijar e, olharam o mesmo  mar, a vela de um barco que se via da janela com uma rapariga desconhecida -  pintada por Dali -  tinha desaparecido.
 

 

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