terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Para o F.





( um bocado de papel para reciclar)

 

Para o F.

Sou pouco dada às palavras – lia com dificuldade as letras das canções que cantarolavas – e os sentimentos não são, como sabes, matéria da minha preferência, quero, no entanto, à sombra destes dias de inquietação, dizer-te, num último parágrafo, que encontrei um par de botas pretas acima do joelho; aprendi, por fim, a fazer puré de batata e a Maria Felicidade, irmã da Sãozinha, que não chegaste a conhecer, continua desaparecida. Trivialidades. Nada disto faria muito sentido, se não tivesses encontrado debaixo da mesa que compraste na Feira da Ladra, a minha caneta de tinta permanente e uma beata fria com restos do meu baton. Vês tu?! Eu tinha razão: o amor não existe. Deixo a chave que me emprestaste – fizeste questão de dizer, várias vezes, que era emprestada! – na caixa do correio. Se, por acaso, ainda houver algum rasto meu: um cabelo, uma mancha de perfume, um botão, deita-o fora – o passado é o tempo que nos fica colado à pele, não podemos permitir que nos agarre, também, a alma. Quanto à caneta podes ficar com ela, quando a tinta secar, poderás arrumá-la no fundo de uma gaveta, ou oferecê-la a quem aprecie, ainda, um aparo a raspar o papel. A caneta é um objeto: podemos fazer com ele o que por bem entendermos, os objetos não têm remorsos.

Adeus.

Lamento as banalidades deste último parágrafo. Ou, talvez, não.

 

P.S. – Não te preocupes, não irias gostar das botas – são demasiado brilhantes – pisar-me-ias, num passo mais arrojado, ao som de uma canção de Frank Sinatra.

 

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