segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

One night stand



Mimi Tavares, One Night Stand, 2012.
 
 
 
 

One night stand

 

Estico os braços e  percebo as costas lisas, macias, largas: um homem misturou-se comigo no último cubo de gelo. O olhar. Via um par de olhos, lembrava-se dos azuis, brilhantes, a estatura, a aproximação das mãos, o ruído de  uma canção que se conhece de cor, o cigarro que caiu no chão, “tem lume?”, muito óbvia a pergunta, na noite, num refrão gasto por onde se deixa arrastar o corpo não se pensa. No óbvio. Não se pensa. Tinha os olhos abertos doridos e olhava para aquele corpo, a seu lado, semi nu. Apagam-se as palavras, amolecem  os gestos, o corpo insiste, quase se toca, pressente-se um desejo – uma solidão igual. Doía-lhe tudo, a existência, a respiração ofegante, sem nome, atravessado na sua cama desfeita, já sem penumbra. Com a dor e o que insistia em ver, em procurar, viu o apoio - um longo balcão de imagens repetidas, em frente, havia um espelho, viu os olhos brilhantes, vítreos, na sua frente. Na cabeça, ouvia o bater do seu coração, a conversa igual, a banalidade dos desabafos, as mãos dadas, sim, tinham dado as mãos, devem ter rido: o choro não traz desconhecidos para casa, a tresandar a gin. Mexia-se a custo. O desespero e uma angústia  espalhavam-se pelo corpo, na garganta seca, nem a sinceridade de um gemido, não conseguia afastar-se, endireitar-se. Sem pudor - o sol,"ajudar-me-á”. Tossiu e sentiu um golpe. As costas subiam, procuravam a almofada. O corpo de costas macias, lisas e largas mexeu-se. “Olá, tens um cigarro? ”Um indicador mostrou-lhe o chão encerado e a roupa espalhada.”Deve estar, por aí, um isqueiro”. A frase arrancada deixou um risco de enjoo. “A casa de banho?”. Com o olhar, mostrou-lhe o caminho. “É a porta pintada de azul”. Tinha frio. Cobriu-se com lençol e ajustou o corpo a procurar conforto. “Queres que te deixe o meu número de telefone?”. A cabeça, muito devagar, acenou.“Não vou precisar do número de  telefone, para nada. Despacha-te. Vai-te embora!” Cruzou os braços, viu as horas, lembrou-se de um almoço, ou seria um lanche? “Adeus, foi um prazer”. Sorriu. “Não duvido”. A cabeça ao ritmo do coração.
 
 

(Porra....ainda me dói o Francisco. Foda-se! )  



 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

 

 

 

 
 
 

Sem comentários:

Enviar um comentário