sábado, 25 de junho de 2016

MARIACHIS.......la cucaracha Pode o Amor ser tão Cruel III?

Pó branco para matar baratas ou pode o Amor ser tão cruel? III
A casa está em silêncio. Na rua não se ouve um grilo, um carro ou uma porta a bater. As luzes iluminam os passeios e, pelo brilho colorido em ritmo acelerado das janelas das outras casas, percebo o serão televisivo das famílias neste meu bairro de subúrbio com Tejo ao fundo. Ligo o rádio, espreito a lua e a casa está cheia das vozes dos miúdos que hoje não estão cá. Gosto da minha secretária, o quarto dos miúdos e a sala. Hoje não se sente o cheiro a hormonas. Há no ar uma tranquilidade de fim de semana que me faz esquecer, por momentos, as sombras, as saudades a solidão, a doença. Fechei há pouco um livro doem-me os olhos - chorei muito esta tarde - às vezes dou-me a este luxo de sofrer, de me abater de me deixar cair,de me entregar à tristeza e desistir de um livro ou de disco de Satie. Só eu e a minha dor. Esta tarde foi assim. O poder da entrega à dor é um privilégio que se tem quando, em casa, apenas, ficou este aroma de silêncio e cozinha arrumada. Oiço, enquanto escrevo, um rsrsr, olho para o chão e vejo uma barata, de pernas para o ar (afinal não estou sozinha) a contorcer-se de dores, de aflição, o momento que antecederá a sua morte Odeio baratas (são seres vivos, fazem partem do ecossistema, blá, blá o raio que as parta!). Em breve pegar-lhe-ei com um bocado de papel higiénico, não tenho medo delas, mas não gosto da sua presença, atirá-la-ei para a sanita com muita convicção.Penso no pó branco, no pó branco, espalhado pelos cantos, que a deixou naquele estado de pré-coma, atordoada, dolorida e incapaz de encontrar uma saída, o regresso para o buraco de onde nunca deveria ter saído.O «maravilhoso» pó branco é uma potente droga.Cria dependência, cegueira, surdez. Antes de morrer de vez, as baratas sofrem que se fartam e, se por acaso pensarem alguma coisa de jeito, arrepender-se-ão de o terem feito . O pensamento não é coisa de baratas. O amor tem o mesmo efeito nas pessoas. O pó branco que mata as baratas, depois de um razoável período de agonia e alienação produz em nós o mesmo efeito. Igualzinho. Continuo a não gostar de baratas. Não pouparei a vida a este ser vivo que me perturbou a paz e a serenidade de uma sexta-feira à noite sem Mensagem, declinações e Estado Novo. Não te pouparei a vida,barata barulhenta e gulosa! Ainda tenho um frasco, quase cheio, deste pó branco: é verão vivo perto do rio, ainda vou precisar dele umas quantas vezes. Quanto ao amor, depois de ter visto o estado lastimável da barata e o seu veloz desaparecimento pelo cano a baixo....
Quanto ao amor.......
Se o pó branco que tanto atrai baratas e pessoas, fosse como o pó de talco....Bem, nesse caso, cheiraria bem, mas afastaria as baratas teimosas e outros seres dos nossos caminhos? Produziria o mesmo efeito? Bateria tanto assim o nosso coração porque é disso que se trata, certo? E morreríamos a seguir?
Não. E não seria amor, mas outra coisa qualquer!.
Coisas minhas: ando a ler muita poesia e não vejo televisão há uns quantos dias.

Sem comentários:

Enviar um comentário