terça-feira, 14 de janeiro de 2014

A imagem




A  imagem

  E, um dia passou, por mim, a tua imagem. Não era uma visão, nem tão pouco um reflexo da vontade que poderia ter de te ver, nem uma sombra, névoa, ou o contorno do teu corpo. Não. Era a tua imagem, poderias ser tu com a forma de outra pessoa, outro homem, um outro, mas não. Tenho a certeza: eras tu. Era o teu rosto moreno, o teu cabelo quase cinzento, o teu corpo masculino e retangular. Maciço. Reconheci-te pelo andar, pela rapidez do passo curto, pela cor do casaco. Tu passaste por mim. Passámos um pelo outro, a tua imagem a passar a meu lado. Cruzámo-nos. Tenho a certeza. Indiferentes. Eu subia. Tu descias a mesma rua. Sentidos opostos. Talvez, o mesmo propósito. Não falámos. O olhar que trocámos foi muito breve e sem alvoroço. Seguíamos um caminho. Nem um estremecimento me assaltou, quando, ao de leve, os nossos corpos ficaram lado a lado. Percebi no olhar que trocámos, que éramos apenas a imagem. Um do outro. Mais à frente, num suspiro que deixei escapar, percebi que tinha arrumado, bem engomado e dobrado, um bocado da minha vida. Não sei o que foi feito de ti, nem onde me arrumaste. Já não me pesa. Vi-te com saúde. Assobiavas. Pelo brilho que, por instantes, adivinhei, nos teus olhos, percebi que não estarias sozinho. Eu seguia sem pressa e, ao mesmo tempo, organizava, com rigor, na minha memória os momentos, as luzes, as cores, os cheiros e os sabores, que nos distinguiam um do outro. Únicas e transparentes. Mas imagens. Na memória, onde, apenas, como imagens, existíamos.  

 


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