segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

A água suja num balde de plástico.






Ouve com atenção….

 Não há nada de novo. Nada que não saibas. A lua vai veloz para cheia. As crianças já não gostam que lhes apertes os sapatos e por muito que penses nos assuntos nada ficará diferente. Agora, debruças-te com muito esforço, porque a tua força já não é a de outros tempos e torces a esfregona e voltas a torcer, apoias-te no cabo, insistes o peso do corpo. A água começa a aparecer muito escura, muito feia, muito espessa. Arrasta o sujo do chão, os pelos do gato, a ansiedade do cão, os restos do jantar. Nada ficará diferente e, no entanto, será apenas um chão que ficará mais limpo, não te iludas: a vida ficará igual. Podes ter a intenção de mudar, pensar que no outro lado da rua há um fim e um recomeço. Mas não. Se pisares o chão que acabaste de lavar. Amanhã. Se o pisares amanhã, mesmo que a água seja outra, será sempre a mesma, porque entre um segundo e outro, um pisar de chão, um suspiro, um desejo, um copo de vinho, a cor da água muito suja não mudará. Será água suja e serão os mesmos pelos de gato, se tiveres gato, a mesma ansiedade de cão, se tiveres cão. O que resta então? O que fica? O que esperas da água de uma rua? E de uma esfregona bem espremida?

Ouve com atenção….

A água suja do balde de plástico da cor que escolheste irá pela pia abaixo, para o mar, para dentro de outros baldes, outras águas, mas continuará a ser uma água muito suja de uma esfregona que torceste com o peso do teu corpo todo, num só esforço, um só movimento a apertar  a força  das mãos para limpar o chão que pisas, um dia atrás do outro. Nem bem, nem mal, apenas isso: água escura. O chão que pisas. O chão que pisas. O chão e as solas dos sapatos por baixo do peso do corpo que carregas. Um dia atrás do outro.

Ouve com atenção...

 

1 comentário:

  1. Não há chão que se limpe quando os pés que o pisam estão sujos, como não há erva que cresça quando se salga o solo. Gostei. Obrigada pelo texto.

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