(Um gin com
água tónica?! Oxalá fosse!)
Até podia ser pieguice, chamada de atenção, um
pedido de colo. Podia ser. Sou - só - uma pessoa. E as pessoas costumam sentir
e pedir amor. Mas hoje não. Podia ser. Não é. Quero sair da cama. Seguir em
frente. Não consigo. Não me levanto. Puxo o lençol e enrolo-me nas flores
bordadas no fundo quadriculado castanho e branco. Desfaço a almofada entre o
pescoço e o cabelo que ainda cheira a champô, estou de lado, sobre o coração. O
corpo pesa e treme. Não tenho frio, a chuva brinca com a janela. Desenhos a
dedo. Pó e água. A luz amarelinha recorta uma sabrina, as mangas de uma camisa,
o título de um livro e o marcador colorido que diz amigos para sempre. Oiço as crianças a correr para a escola, portas
a bater, o chiar da roldana de um estendal. São horas de seguir em frente,
encetar o mesmo caminho, pisar a terra, apontar os trabalhos de casa, abrir outra página. Continuar. Chego o corpo para a beira da cama, faço força com
os pés, arrisco uma alavanca com o cotovelo, levanto a cabeça, respiro fundo,
olho para cima, não vejo nada - uma mancha escura é a linha da parede e a
esquadria do teto. Regresso no instante seguinte, ou no tempo que parou. Andei
a pairar no buraco sem fundo, como nos pesadelos de criança. Tento outra vez,
evito olhar para cima, para a espiral em que o teto se transformou. A cabeça
dança. Às voltas. Sem música. Não percebo se a dança é dentro ou fora. Só sei a
cabeça. A espiral. Às voltas. Círculos perfeitos. Grandes. Mais pequenos
depois. Na mão direita, na mão esquerda. Não há dor. Só esta dança, em
círculos, a agarrar o pescoço, o tronco, as pernas. A cama sou eu. O teto
continua a fugir. Já não oiço a rua. A espiral a puxar o quarto para o buraco
negro é tudo o que existe. Como nos pesadelos de criança.
Que acordes e a espiral se abra para o dia.
ResponderEliminarForça Linda!!!
ResponderEliminarHoje li que 87% das 'coisas' com que se nos deparamos diariamente são negativas. Precisamos reforçar os 13% positivos
Gosto da tua escrita. Tb outra coisa não seria de esperar!
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