(Mas isto sou eu a
escrever num dia como outro qualquer.)
Estavas a pensar em
algo mais sério?
Trato-te por tu, sem manias,
nem cumplicidade de almofada. Não te falarei de amor, nem direi que te amo,
porque sobre o amor não sei falar. Acreditei que existia, pensei que era uma construção
que se retocava todos os dias, uma comunhão de frases acabadas ao mesmo tempo,
uma casa cheia de flores, uma gentileza, um piscar de olhos. Percebo, agora, que
o amor é uma invenção literária, ou uma bênção. Falo do amor de um casal, de
casa, de filhos e mesa com toalha branca, a sopa quente e a horas. De uma vida com a
mesma alegria no olhar. Como gosto de ler e de literatura não fui abençoada com
esse amor. Seriam, talvez, incompatíveis. Não sei, não tenho respostas e a
paciência para as perguntas vai-me faltando. Vejo o amor dos meus pais. Assisti
ao amor dos meus avós, vivo-o no cinema, nos romances e quanto ao Amor - com maiúscula
- assunto encerrado. Não falo de poetas – falei de Literatura que é o mesmo. Percebo
o amor incondicional pelos filhos. Conheço o cheiro e o gosto. E não
questiono o sentimento que me faz ter amigos há cinquenta, trinta, vinte, dez
anos. Amigos que atravessam o Oceano para me abraçar, dormem ao meu lado na
mesma cama de hospital, riem, choram de mão dada comigo, ou trocam um par de
horas de conforto por um telefonema. Gosto das pessoas que são, não imagino a
minha vida sem elas, apesar de já ter algumas na memória . No que sou,
oiço e cheiro. Sou o que cada uma delas me deixou tirar-lhes.
Está riscado, por aí, nas paredes, desenhado
nas nuvens, P. está apaixonado por C. ; L . ama T. Ou a frase mais desesperada
( é de desespero que se trata, certo?) não
sei viver sem ti. Deduzo,
portanto, que esta ”coisa” do Amor, a tal invenção da Literatura, a bênção, deve
ser uma obsessão, um sinal dos tempos, uma necessidade dos homens e das mulheres.
Uma demanda. Uma parede contra a solidão de cada um de nós. Não sei. A minha
solidão está bem, muito obrigada, e faz par com a minha liberdade. Se dançarem
a noite toda, entre uma piscadela de olho e uma taça de vinho, então, estão em
paz.
Estavas a pensar em algo mais sério?
Não me digas que acreditas em tudo o que está
escrito na última garrafa de vinho? No fundo de alguns dos meus copos pode ler-se
Ikea.
Nos teus lê-se o quê?
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