segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

( Mas isto sou eu a escrever num dia como outro qualquer.)




(Mas isto sou eu a escrever num dia como outro qualquer.)

Estavas a pensar em algo mais sério?

Trato-te por tu, sem manias, nem cumplicidade de almofada. Não te falarei de amor, nem direi que te amo, porque sobre o amor não sei falar. Acreditei que existia, pensei que era uma construção que se retocava todos os dias, uma comunhão de frases acabadas ao mesmo tempo, uma casa cheia de flores, uma gentileza, um piscar de olhos. Percebo, agora, que o amor é uma invenção literária, ou uma bênção. Falo do amor de um casal, de casa, de filhos e mesa com toalha  branca, a sopa quente e a horas. De uma vida com a mesma alegria no olhar. Como gosto de ler e de literatura não fui abençoada com esse amor. Seriam, talvez, incompatíveis. Não sei, não tenho respostas e a paciência para as perguntas vai-me faltando. Vejo o amor dos meus pais. Assisti ao amor dos meus avós, vivo-o no cinema, nos romances e quanto ao Amor - com maiúscula - assunto encerrado. Não falo de poetas – falei de Literatura que é o mesmo. Percebo o amor incondicional pelos filhos. Conheço o cheiro e o gosto. E não questiono o sentimento que me faz ter amigos há cinquenta, trinta, vinte, dez anos. Amigos que atravessam o Oceano para me abraçar, dormem ao meu lado na mesma cama de hospital, riem, choram de mão dada comigo, ou trocam um par de horas de conforto por um telefonema. Gosto das pessoas que são, não imagino a minha vida sem elas, apesar de já ter algumas na memória . No que sou, oiço e cheiro. Sou o que cada uma delas me deixou tirar-lhes.

  Está riscado, por aí,  nas paredes, desenhado nas nuvens, P. está apaixonado por C. ; L . ama T. Ou a frase mais desesperada ( é de desespero que se trata, certo?) não sei viver sem ti. Deduzo, portanto, que esta ”coisa” do Amor, a tal invenção da Literatura, a bênção, deve ser uma obsessão, um sinal dos tempos, uma necessidade dos homens e das mulheres. Uma demanda. Uma parede contra a solidão de cada um de nós. Não sei. A minha solidão está bem, muito obrigada, e faz par com a minha liberdade. Se dançarem a noite toda, entre uma piscadela de olho e uma taça de vinho, então, estão em paz.

Estavas a pensar em algo mais sério?

 Não me digas que acreditas em tudo o que está escrito na última garrafa de vinho? No fundo de alguns dos meus copos pode ler-se Ikea.

Nos teus lê-se o quê?

 


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