terça-feira, 3 de março de 2015

A música.




A música

Vou muito para trás, agarro a ponta de uma nuvem que agora é memória e vou como se não tivesse rumo, e sei tão bem, onde moras, nuvem perdida. Vejo o perfil, os telhados recortados contra o céu. Eu já não existo debaixo desse céu, da janela vê-se, agora, um sol rubro, vivo, diferente, outro sol. A janela alta com a moldura de madeira que tocava aquele céu escuta, agarra a música. Novos compassos. Outros solistas. Transparentes. Consigo vê-los. Oiço-te. Percebo pela sombra que somos outros. Que somos de outros. Percebo que não sou eu. Já não existo. Parti. Partimos. E, num sopro de uma nota só, deixámos de existir.

Sem mágoa, só a música me leva até à porta da tua casa que não existe. Já não és tu. Não somos, nem diferentes.

Sem mágoa, apenas, a tua mão a agarrar a mesma nuvem que eu.

Sem mágoa.

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