terça-feira, 17 de março de 2015

Não é fácil o amor.





Não é fácil o amor.

Agarrou-se à esperança de mais um sorriso, uma canção e um prato de tremoços comido a dois, a quatro dedos – a casca a saltar, o fruto trincado empurrado com um golo de cerveja – não sentiriam a chuva, viam a humidade em  gotas, nos vidros, o céu a carregar-se, a cair-lhes em cima. Passavam de um lado para o outro, encolhidas, as pessoas, as crianças, os rapazes carregados de mochilas. Ela trincava o miolo amarelado, a ponta dos dedos a ficar enrugada, por vezes, esquecia-se e deixava-se ficar num olhar mais triste, um guarda-chuva mais colorido, os dedos arrefeciam, catavam a pele e a casca mais solta. Distraída, esquecia-se. A imperial aquecia. Conseguia desenhar os olhos, uma boca, no copo transpirado. Olhava para o copo dele. Mais vazio, já sem espuma. Não conseguia evitar acompanhar-lhe os gestos, sentia o frio que entrava, quando a porta da rua se abria. A pele e o sentir. Arrepiados. Talvez, ainda, uma estrada sem chuva, sem lama, talvez, restasse o tempo de um abraço sem cansaço, nem arrependimentos, talvez… Pensava na canção. Pensava na gargalhada e no sol, insistia na esperança - e, se não se tivessem acabado as palavras?!  Por fim,  engoliu a mágoa, um soluço, o fim, a esperança, no mesmo golo de cerveja fresca. Os dedos finos a segurarem o copo. Como garras fortes. Tudo um tremendo equívoco, os parágrafos trocados, o discurso reles, as imagens obscenas, a gargalhada, a boçalidade, os dias à espera de uma resposta, um agrado. A espera. Ela à espera. Ele a falar, a falar, a contar anedotas, a não se importar, a repetir a mesma conversa, a insistir em histórias de conquistas, de divertimento, as imagens, as mesmas imagens sem legendas. Feias. Sujas. Encostou, com cuidado, o copo vazio ao pratinho das cascas, olhou para ele, encolheu os ombros, levantou-se, contou  com o indicador umas moedas. No tampo da mesa, o desenho irregular do fundo molhado dos copos. Adeus. Sem caminho. Sim. Tinha a certeza. Deixou-o à procura do empregado, para lhe pedir mais uma. Mais uma. Como ela. Não deixara mágoa, apenas a decepção. A desilusão, perceber outra pessoa: os sentimentos não interessavam. O homem que não conhecia deixava aquela tristeza fininha, a rasgar a pele, a crescer dor no seu corpo. Fininha como o frio das gotas de chuva que a surpreenderam, naquele mês de março. Quase primavera. Desculpa, foi sem querer.

Não tenho nada para desculpar, para perdoar, como se desculpa uma pessoa de ser quem é?  

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