segunda-feira, 9 de março de 2015

Um bife, o Tejo e o Dia da Mulher.





Um bife e o Tejo no Dia da Mulher.

Dizem que perdi massa gorda, que tenho as defesas em baixo, que estou muito magrinha, que se conseguem contar as costelas, os ossos do ombro, as pernas estão muito fininhas, as rugas do rosto  muito acentuadas e que se não me fortalecer, em breve, uns bichinhos irão fazer das minhas forças um belo repasto. Não costumo discutir a autoridade de quem sabe mais de matemática do que eu, portanto, se me dizem que tenho de comer dois bifes por semana, comerei dois bifes, por semana – coisas de médicos, manias de quem não cresceu com a imagem da Twiggy e gosta muito de donuts. Pois, muito bem, comerei um bife, talvez, dois. Os médicos que me desculpem, mas se na garganta não passar mais do que duas garfadas de carne mal passada, não insistirei. Hoje, resolvi, embrulhada numa roupa mais domingueira, aproveitando o dia de sol e a proximidade do Tejo, ir comer um bife à beira Tejo. Convidei várias pessoas: não, hoje, é domingo, almoça-se com a família, é dia da mulher temos de estar com o marido e os filhos, convidei a sogra para almoçar. OH! menina um bife, hoje, à beira Tejo, com tanta obrigação que tenho ao fim de semana?! Vai ao talho do supermercado, frita um bife, compra umas batatinhas de pacote, liga a RFM e, pronto, comerás o teu bife, o teu primeiro bife da semana, da tua nova dieta. Neste momento dos convites ao telefone, enfastiada com as sogras e as obrigações de quem não arranja desculpa melhor, parti para o rio. Uma tarde de inverno quente, um Tejo, barcos à vela, a promessa de um futuro, assim, transparente, brilhante e luminoso. Sentei-me na esplanada que mais gosto, o melhor ângulo de água à minha frente e aguardei a minha vez. Esperei o bife que me tiraria da miséria que é o meu corpo mirrado e me devolveria uma saúde de ferro, sem ferrugem. Veio o bife, veio o copo de vinho, vieram as conversas: IRS, Passos Coelho, na minha próxima vez deixamos os putos com a tua mãe. Então a violência doméstica está a aumentar? É como os casais homossexuais: dantes ninguém falava no assunto e agora, até, aparece nas telenovelas, é um sinal dos tempos desta sociedade sem valores. Ai! Menina, experimentei um gelinho para as unhas que dura uma eternidade. Pedrinho, ponha o guardanapo no colo para não se sujar. O  bife encolhia, a minha camisa mais certinha (afinal, eu ia comer um bife, numa esplanada!) parecia perder a graça e a garganta fechava-se, o copo de Casa de Santar empurrava, a custo, a bola da última dentada de bife, entretanto já tirara uma par de fotografias a um casal alemão, a família de filhos barulhentos olhara-me com olhos de ver, para o decote e o sol começava roçar-se nas minhas   costas. O calor aumentava e a família numerosa não me deixava sossegar. Pensei que tinha escolhido mal a esplanada, que deveria estar a beber Coca-Cola e que comer um bife se estava a tornar uma experiência pouco agradável: olha, a gaja está sozinha, ocupa uma mesa de quatro lugares e tem um copo de tinto na frente, está comemorar o dia das gajas. Sábias palavras proferidas por um grupo de três cavalheiros, com o saco do Expresso debaixo do braço e polos Gant coloridos. Uma gaja a ocupar uma mesa de quatro e nós aqui em pé. A bola do bife deslizou-me pelas goelas. A Casa de Santar e o calor da camisa de seda preta incharam-me o mau feitio e, num gesto educado com um português muito bem articulado, interpelei os cavalheiros : Há aqui três lugares vagos, os senhores estão de pé, está muito calor, podem sentar-se aqui, por favor, estejam à vontade. Olharam-me com desconfiança, não deixando de fitar o botão da minha camisa que  se soltara, encolheram os ombros e com a arrogância e sobranceria responderam: deixa estar - registei o tratamento por tu – a nossa mesa está quase pronta. Viraram-me as costas, soltaram uma gargalhada e - não tenho a certeza - mas ia jurar, que ainda ouvi um olha a gaja, deve ser das tais que anda à procura de homem, estas casas não deveriam deixar entrar toda a gente. Não reagi - já tinha perdido o gosto, o bife estava frio e o sol aquecia-me demasiado as costas. Pedi uma segunda taça de vinho e mergulhei no Tejo. Por momentos, pensei que estaria no lugar errado e que o certo era ter ficado em casa a ouvir a RFM, fritar o bifinho na frigideira, cozer melhor os botões das camisas… breves momentos. Aliás. A minha estreia a comer bifes em sítios públicos não foi das mais felizes, nem muito barata e concordo em absoluto com as palavras do cavalheiro de polo Gant azul-turquesa: estas casas não deveriam deixar entrar toda a gente. Mas talvez seja por este exercício gratuito de humilhação do macho colorido perante a fémea que tem o arrojo de ir sozinha comer um bife, que o dia da mulher não pode deixar de ser celebrado.

Quando bebi o café, uma fila de pequenos barcos à vela, deslizava ao sabor da brisa quente e o Tejo, prateado e orgulhoso, sem que ninguém percebesse, piscou-me o olho. Saí, agradeci à empregada delicada que me tinha servido e comecei a pensar na esplanada, assim que o saldo do meu cartão o permitir, onde, comerei, sozinha, o próximo bife mal passado.  

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