quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Parabéns, João.





Parabéns, João.

O dia dois de Setembro de 1998 amanheceu nublado e húmido. O ar   muito quente colava-se à pele e à respiração. Sabia que o caminho para o hospital seria rápido e que chegarias de tarde, à hora marcada e de bem com a vida. Nasceste encarniçado, despenteado e cheio de fome. Já te contei uma centena de vezes tudo isto e sabes que dias depois de teres nascido, eras um rapazinho bonito e bem disposto. À tua volta tudo te distraía e te animava. Gostavas de música, de ouvir as histórias que te contávamos e de comer. Os teus primeiros anos foram de alegria, brincadeira e muita conversa. Aprendeste a falar e a andar muito cedo. Um dia, um amigo mais crescido de quem tu gostavas muito disse que eras um «miúdo muito livre». Pois. Percebemos esse teu gosto pela liberdade (e pela ireverência) no teu primeiro dia de escola: sem percebermos como, conseguiste perder, em segundos, os atacadores dos sapatos e a mochila. Nunca registavas os trabalhos de casa, hábito que manténs com militância, estar sentado quieto e calado na sala de aula continua a ser, para ti, um martírio. Não conheces a palavra arrumação, perdes  a capa dos livros escolares e estragas sapatos com vontade e sem medo. Com facilidade fazes amigos, falas com fluência inglês e alemão, gostas de uma boa gargalhada, de raparigas loiras – a Sara Sampaio deve ser a excepção – e de descobrir bandas novas no Youtube. Quando olho para ti, vejo-te numa nuvem qualquer, perdido num sonho, ou num pensamento. Não resisto aos teus olhos brilhantes, por isso, é-me muito difícil dizer-te não. Mas digo e tu não gostas.

Tratas com tanto amor os teus avós, os teus primos e as pessoas que te pertencem, às vezes, penso que o teu coração vai rebentar. Não tenho dúvidas que a generosidade fará de ti um homem de bem. Eu estarei de olho em ti. Um dia destes encontrarás o teu caminho e dir-me-ás: «Mãe, anda cá, preciso de falar contigo.» Talvez nos sentemos a conversar, de mão dada, a ouvir Doors, ou Pearl Jam. Talvez me digas o que queres ser quando fores grande, ou, como hoje, me perguntes, entre uma gargalhada e um arrepio: «Mãe, qual é o sentido da vida?» Não sei que conversas serão as nossas e quantos centímetros mais irás crescer, não sei que mundo será o teu. Não sei, meu querido filho.

Sei que metade do meu coração te pertence, há dezassete anos.
Parabéns.

Não te preocupes com o sentido da vida.

[…] Segue o teu destino/Rega as tuas plantas/Ama as tuas rosas./ O resto é a sombra/De árvores alheias […] Ricardo Reis.

Isto dizem os poetas, as mães costumam dizer outras verdades.


(Tem cuidado, João, ainda há bocadinhos de vidro no chão da cozinha. Olha para o que estás a fazer – o chão da cozinha pode ter vidros, as garrafas que deixaste cair, lembraste? Em que é que estavas a pensar? Por onde andas? Em que nuvem te sentaste? Que queres tu, afinal?)

Coisas de mãe, adoro-te filho.


3 comentários:

  1. Parabéns à mãe e ao filho; os da mãe são a duplicar: metade vai par o texto :-)

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  2. Revejo-me tanto no que escreveste. Talvez porque vivi (e vivo) situações muito parecidas. Deve ser porque nasceram no mesmo ano (o Guilherme a 7 de Outubro). Parabéns aos dois mas, para ti, a duplicar.

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