quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Passagem de ano.





A passagem de ano.



Já fui miúda e sonhadora. Vaidosa, a deixar que  a tarde decidisse o  vestido preto, muito decotado, os sapatos a condizer com os diálogos. Sonhava com o trinta e um de Dezembro e o almoço do primeiro dia do ano só era importante, porque me era imposto pela toalha branca, a promessa da família reunida e a obediência às regras de quem tem uma família grande e um avô exigente. Não havia sofrimento, nem vontade de transgredir, chegava-se à hora certa, dormir ficaria para mais tarde. E dançar era condição para se ser feliz durante o ano que se encetava. Outras noites houve em que as calças de ganga e não cumprir o compasso certo das danças de salão era o preceito a seguir. Na noite da passagem de ano tudo fazia sentido e nada se podia adiar. Nem mesmo a esperança. Eu gostava, nós gostávamos. Estivéssemos na terra que nos pertencia, na terra que se escolhia, na terra onde se começara a trabalhar, na terra que nos tinha sido prometida para o resto da vida. A passagem das doze badaladas desenhava-se  e a esperança ia sendo renovada nas passas de uva, nas taças de champanhe, no salto para cima da cadeira mais alta. Uma noite de passagem de ano gastei a sola de uns sapatos a dançar, numa outra, uma amiga jurou que nunca seria mãe - e cumpriu -, comemorei o nascimento do novo ano num hospital e, uma outra vez, no mar, longe, muito longe. Agora, dizem-me que perdi o viço, porque não me emociono com a festa e conto os minutos para poder arrumar a cozinha. Dizemos uns aos outros que o ano que começou será igual ao que passou, não temos grandes expectativas e ninguém levará a mal se não comermos as doze passas que no pacote de meio quilo irão criar bolor e ranço, ao longo do ano. Não gosto de passas de uva e nunca consegui comê-las ao ritmo do relógio. Desejo que o próximo ano seja um bom ano para todos, será duro, o dinheiro está caro, os meus pais  com muita idade, os miúdos começarão a gostar das festas, as hormonas ainda lhes darão alguns pontos negros e eu continuarei a ser chata. Não tenho sonhos impossíveis por realizar, nem mágoas sofridas por arrumar. Não quero ir a nenhum lugar inacessível, não preciso de um tecto para morar,  não acredito em milagres, tenho  livros para ler que  não cabem nas passagens de ano a que terei de me apresentar, o tempo não me tem tratado mal e apesar de uma ou outra dor, por carácter, não tenho medos. Nem medo. Em  2014 envelhecerei um pouco mais, a lista do que ainda tenho para fazer será cada vez mais longa. Terei de alterar as prioridades e pouco mais, aliás, pouco mais haverá a fazer. 2013 foi um ano difícil?! Foi, foi muito difícil. E tive direito a tudo que um ano difícil tem para  oferecer, convém não esquecer que  o próximo ano poderá ser muito pior. Quem sabe? A frase seguinte não se iniciará com um mas e tão pouco irei ler as promessas da Maya, nem o oráculo de Bellini. Recebi o ano sem passas, nem Murganheira, minutos depois da meia-noite liguei aos meus filhos, desejei-lhes um feliz ano novo, a resposta poderia ter sido mais inteligente: o ano será o que dele fizermos, pensei que se estavam a esquecer de qualquer coisa, não lhes disse muito mais. Claro, estão cheios de razão o tempo ainda tem muito para lhes ensinar, mas isso terão de ser eles a descobrir.
Pois, 2014 poderá ser o que dele fizermos, pois pode. Se for um pouco melhor, não me importarei. 
Paciência e coragem. Com maiúscula

Feliz Ano Novo.





2 comentários:

  1. Estava à espera destes votos! É isto mesmo. Obrigada pelo teu desassombrado optimismo pela vida, tirando lição dos escolhos para fazer as escolhas. Ensinas-nos tanto! Obrigada, amiga. Feliz 2014 para ti!

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  2. Feliz ano novo, Linda.
    PS: Também nunca consegui comer as passas em compasso com as badaladas. Houve anos em que as metia todas na boca ao mesmo tempo e outros em que procurava acompanhar o relógio. Não faço ideia em quais deles fui mais feliz. Este ano não comi passas. Beijinho

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