sábado, 4 de janeiro de 2014

Uma nódoa de molho amarelo na camisa de seda encarnada.



Uma nódoa de molho amarelo na camisa de seda encarnada.

Engoliram o jantar com os vagares da conversa que prometia mais histórias, as coisas das suas vidinhas e das vidas de cada uma. Acrescentavam um desastre, um desaire, os desencontros, a infelicidade e as escolhas. Cada uma fizera as suas. Os segredos guardavam-nos para si. Veio o café e dividiram a conta do jantar. Chovia uma morrinha, riram-se da palavra  morrinha,  da rua deserta e do espetáculo do dia anterior. Sentemo-nos um bocadinho na esplanada, estaremos abrigadas debaixo das sombrinhas de agosto. Dois chás de tília e um de cidreira. Ainda um cigarro, mais um plano e a certeza de que voltariam um dia destes. Riam muito dos disparates que diziam há uns anos ríamos mais, sentes-te bem?Ainda tens dores? Não tens medo? Não pensas muito nisso, pois não? Calculava que lhe fizessem essas perguntas, respondeu que não, não se sentia doente, não tinha medo e não pensava muito no assunto. Mentira-lhes. Era um daqueles segredos que não se dizem em voz alta. Agora, estou mais vaidosa. Sim. Ainda mais. Sim. Escolhera ser mais vaidosa, também podemos escolher estar feliz, alegre. É mais fácil que deixar de fumar? É igual. São escolhas. Ilusões. Deixar de fumar não é uma ilusão. Não me digas que se deixares de fumar não adoeces? Deixas de fumar e ficas imune a todas as doenças!? Ilusões, amiga. Riram, um riso mais crescido. Ajuizado. Lúcido. O chá arrefecera. Começou a chover, já não é morrinha. Rodaram o lugar das cadeiras, aproximaram-se da mesa, há muito bom cinema francês. O último que vi é uma história de amor entre... Não contes, por favor, esse ainda não vi. Queres que te leve a casa? Está a chover muito, tenho ali o carro. Vou a pé. Obrigada. Trouxe o guarda-chuva do meu pai. A casa não é longe. Despediram-se. A praça estava deserta e o café ficaria vazio. Telefono-te no dia dos teus anos. Durmam bem, sonhem com o príncipe encantado. Ilusões. Só ilusões. Estás a ver a camisa não ficou manchada. O açafrão era chinês. Riram-seQuando mudei de passeio, as gargalhadas ainda se ouviam, agora, mais soltas, mais distantes. Éramos só três, que pena. Se não fosse a chuva, seria uma noite de primavera. Morna. Como a vida. O dia de hoje.

1 comentário: