Olhar a dor.
Não aqueças demasiado o quarto. Não aqueceria. Enrolou-se. Um novelo de almofadas e penas. Deixou-se ficar.
Começou a pensar no barulho do mar, muito ao longe, a aproximar-se da areia. As
ondas num compasso de dança e o sol que inventava. A arder-lhe nos olhos. Era uma só dor. Cabeça.
Corpo. As mãos. Um peso. O frio a ir e a vir. Olhava, deitada, através da
janela, o movimento das nuvens. Sentia o medo de não conseguir explicar, de não
lhe resistir. Não era uma resistência ao sono, a um pecado, a um pedido – era a
resistência àquela dor que adivinhava a parti-la ao meio, a separá-la do
corpo, a deixá-la caída no chão. O barulho do mar era cada vez mais nítido e as
ondas afastavam-se no mesmo compasso de dança. Não conhecia aquele passo,
aquele ritmo. Não sabia. Por momentos, desistiu de ver o sol e pressentir o seu calor. Novelo,
almofada e penas. Dor, cabeça e corpo. Tudo se confundia. O sono, apaziguava-a, mas quando abria os olhos, era o silêncio e o vazio que avistava.
Entrava pelos poros, enrolava-se nos cabelos e na alma e ficava, parada, a seu
lado. A mesma dor. Imaginária, que ainda não tinha sido sentida. Nada a impedia de sentir. A espera? Sim. A espera era real, conhecia todos
os segundos, os minutos. Durante horas. E, no entanto, incapaz de riscar os
dias no calendário, sentia-se lúcida, prisioneira da sua própria espera. A vaidade
não permitia. Não conseguiria contar-lhe um sinal de tão evidente fraqueza.
A manhã passou com as
nuvens brancas na janela de vidro, o ângulo reto do teto, a mancha mais escura
ao lado da esquadria torta da porta, entre o sonho e o pesadelo. Gemeu, mas desmanchou o novelo, afastou as
almofadas. Endireitou-se. Suava um pouco. Sentiu a humidade nas mãos magras. O
homem entrou, trazia a chávena de chá e uma certeza. Bebe este chá. Vai fazer-te bem. Talvez este livro te distraia.
Pensou no chá, olhou
para o livro, afastou o medo, suspendeu a espera. Esta chávena de chá é tudo o que preciso. Guardarei a dor para mais tarde. Ela guardou a dor para mais tarde.
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