Domingo à
noite
As escadas
não têm pó, os cantos foram muito bem limpos e no tampo da mesa não se escreve o
teu nome, um palavrão, nada. Uma mesa de madeira, como devem ser as mesas de
madeira limpas e arrumadas. A sala está imaculada, os livros estão fechados e
têm dentro um marcador, um pano de linho cobre a banqueta forrada a brocado
branco, o écran da televisão está escuro e brilhante, as jarras têm flores, o
candeeiro de vidro mostra a parede branca, o céu escureceu, a lua cheia faz-lhe
companhia e, até, se pode ouvir música. No ar, o cheiro nosso, de casa, laranja
e âmbar, quente, invisível. No silêncio, percebo os dedos no teclado e uma
torneira a pingar. Paira a voz da vizinha, a porta de um carro a fechar-se, a
linha de rio ao fim da rua, se me levantasse para o ver. Há quadros novos na
parede, uma taça de vidro na mesinha da entrada onde se podem poisar as
chaves, quando chegamos a casa. Respiro fundo, encolho os ombros e penso em ti.
Se aqui estivesses, eu não teria reparado na limpeza do chão e as cadeiras
estariam desalinhadas. Estaríamos a ouvir uma canção de que não gosto, teria
aberto o Expresso, talvez pedisses pizza para o jantar e eu, por momentos,
pensaria no desconcerto do mundo discutiríamos
a opinião conservadora e homofóbica dos teus colegas betos, ouviríamos atentos os argumentos do teu irmão, entraríamos,
calmos, na semana de aulas, trabalhos de casa, testes intermédios e
despertadores. Como fazemos sempre ao domingo, antes do jantar. Mas tu não
estás, o teu irmão também não e só consigo pensar que não te conheço, não sei o
que te falta, não entendo o teu sofrimento - o meu foi tão diferente! Vejo a
raiva que cresce, a mochila atirada para o chão, os livros sem capa, o desespero
do teu olhar, a agressividade nos gestos, vejo a voz a crescer, o corpo
descontrolado, os pés descalços, sempre descalços, a angústia na recusa e o
coração que não controlas a troçar da tua fragilidade. Tu não estás aqui, a meu
lado, mas nunca daqui saíste, nunca sais, a tua presença não me incomoda, vivo
mal sem o teu sentido de humor e não sei com te hei de dizer isto, não sei! Ter quinze anos é
tremendo, mas olha, também é tremendo
ser-se. Depois dos quinze vêm os dezasseis, os dezassete e por aí fora,
pouca coisa muda e nada, ou quase nada, melhora com o passar do tempo,
garanto-te. Aprendemos a viver com o que somos, o que temos, de vez em quando, batemos
o pé, jogamos um copo ao chão, derramamos uma cerveja na cabeça de alguém e
aprendemos a ser pontuais. Arranjamos um deus, deitamos cá para fora o amor com
que nascemos, entretemo-nos a namorar e, um dia, acharemos graça à
primavera, mas os quinze anos só ficarão longe no relógio e, sim, as
borbulhas desaparecem. Prometo-te.
É tremendo ser-se, acredita.
E tu serás capaz de me prometer que vais
pensar em tudo o que eu te disse?
Maravilhoso! Deitemos cás para fora o amor!
ResponderEliminarÉ duro, muito duro!
ResponderEliminarUns dias mais do que outros,claro.
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