terça-feira, 5 de novembro de 2013

A minha mesa de trabalho





A minha mesa de trabalho.


Li há pouco uma homenagem e louvor – seria? – às secretárias desarrumadas, percebi que vários génios da nossa história são génios apesar de  terem as suas secretárias desarrumadas, fiquei sem perceber se a sua genialidade está relacionada com a desarrumação da suas mesas de trabalho, ou se  as suas  mesas de trabalho estão desarrumadas, porque são génios, parece o mesmo, mas não é.  Passo a explicar, se Steve Jobs era genial e tinha sempre a mesa de trabalho desarrumada, esta era uma característica da sua genialidade, no entanto, se a mesa de trabalho está desarrumada, pode ser-se normal e desarrumado por força dos genes, da educação, do espaço, ou do tempo e não resulta da criatividade do génio, ou da genialidade do criativo. Na minha insipidez de pessoa normal, portanto sem genialidade, ou qualquer outra bênção, a secretária desarrumada é um privilégio, uma característica, que me assiste. Fico mais descansada. Posso ter a mesa de trabalho desarrumada e não ser um génio, porque até os génios têm as mesas, as secretárias desarrumadas. Dissolve-se, assim, um pouco, da minha banalidade, ganho afinidades com quem mudou o mundo e posso adiar o tempo que entender a tarefa árdua, inútil e efémera que é a limpeza da minha mesa de trabalho, isto é, deitar fora os folhetos de publicidade que estão à espera de ser rasgados; colocar por ordem as faturas que já paguei; livrar-me das caixas de medicamentos, porque já comprei o que precisava; guardar dentro das gavetas as agendas dos anos anteriores; inutilizar os cartões caducados; adivinhar o que está escrito nos duzentos e trinta e oito papelinhos autocolantes amarelos; decifrar os números nas folhas soltas que estão espalhadas, organizadas umas em cima das outras e olham para mim com ar complacente; amachucar e pôr no papelão as caixinhas de pastilha elástica vazias; ler e rasgar as cartas dos bancos, porque já aderi ao extrato digital; separar as Atuais que de tanto esperar esqueci a verdadeira razão por que as queria guardar; fechar os Dicionários e as Gramáticas; ouvir e meter dentro das respetivas caixas os cds que, em silêncio, vão ganhando pó; arquivar os últimos cartões escritos pelos amigos e as mensagens de amizade dos alunos, os envelopes das análises, os negativos das fotografias, do tempo em que se revelavam  rolos de fotografia, as instruções do computador, os talões do multibanco, as fotocópias dos cartões de cidadão da família toda, os certificados de presença e participação nas ações de formação, que já não dão créditos; deitar fora ou guardar todos os recibos que se acumularam na carteira estragada; anotar a referência de um baton rançoso; devolver o manual de utilização da Bimby, objeto que não tenho, nem nunca virei a ter; decorar o refrão daquelas canções; verificar a lista das compras e os vales do Continente; pôr à venda no Olx o comando de uma aparelhagem que já não funciona; destinar os bloquinhos de apontamentos com frases do Paulo Coelho, que nunca foram utilizados e, por fim, encontrar uma caneta ou um lápis afiado, porque, desde que o computador ocupa o maior espaço da minha mesa de trabalho, nunca encontro nem uma coisa, nem outra e tenho de me levantar, milhentas vezes, se preciso de tomar uma nota muito importante, ou escrever um recado. Afiar os lápis e guardar, preciosamente, as canetas de cores é a única coisa que justifica a canseira que é a limpeza de uma mesa de trabalho. Deve ser por isto que o Einstein desenvolveu a teoria da relatividade com um pauzinho de giz branco e o Mark Zuckerberg se lembrou que uma página de FaceBook era muito melhor do que pedir emprestada uma caneta para apontar o telefone das raparigas com quem queria sair.
Entretanto, a minha mesa de trabalho ficará como está – desarrumada e caótica - o único sinal da minha passagem por este mundo.
De momento não me ocorre mais nada.

 

 

4 comentários:

  1. Crónica fabulosa sobre a desarrumatite crónica da mesa de trabalho, ou as nossas mesas no seu estado natural.

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  2. A imagem é um must. E quem é tão doutoral, circunspecto e desarrumado cavalheiro?

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  3. E quem assim escreve nada tem de insipidez, cabe dizer. Há quem verta a genialidade em obra. Há quem seja genial a simplesmente viver. É uma benção mais discreta. Mas convém marcar, "inscrever" alguns laivos; que as lições fiquem escritas, pede-se. Por causa da memória, que é volátil.

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