quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

O des-gosto da canela

O desgosto da canela

Eu e tu - mãe - temos o mesmo desgosto – não gostamos de canela, eu sei que tu gostas do cheiro e que este desgosto é só a maneira de dizermos um ao outro que há uma coisa de que eu e tu - mãe - não gostamos. Não gostamos de muitas outras coisas, mas é este desgosto da canela que mais nos tem separado das pessoas que estão perto de nós. Há os outros sabores da vida que tu conheces muito melhor do que eu e de que talvez eu também não goste. A estrada que seguimos não é a mesma, nem sofreremos as mesmas dores, nem as mesmas alegrias nos farão rir. Tens-te construído a nosso lado e vais afastando, uma por uma, as sombras. Os pesos. Afasta-los mais de nós, do que de ti. Arrumas o chão, a mesa e, por cores, as nossas camisolas e peúgas. E eu percebo que também não gostas de gente mal criada e mesquinha, nem de mentiras, não sei mentir, porque  me ensinaste que não se deve dizer pedra se é de céu que falamos. Às vezes, penso que não gostas do sabor da baunilha. Eu nunca peço sabor de baunilha, mas isto é apenas uma suposição. Vejo-te brilhar e acho que tu és muito bonita. Tu não acreditas em mim. Eu sei que és muito vaidosa, mas isso é a tua maneira de não acreditares em ti. O nosso desgosto pela canela não tem importância, porque o chocolate encurta este bocado de caminho mais duro. Eu e tu – mãe –  também não gostamos dos teus gritos, nem da tua voz ansiosa de dedo apontado. Eu sei dos gritos e do frio que te gela. Percebo a tua maneira de dizeres que estás viva e a cuidar. Mas, eu não gosto. De tanta raiva, de tanta amargura, de tanta dor e de tanto desespero, eu não gosto. Não gosto de gritos. Nem um bocadinho. Percebo a tua razão, os teus dias, a tua solidão, a tua obsessão pela ordem, pelo correto, pelo respeito, pelo amor, pela verdade. O desgosto do preconceito. Percebo tudo isso. Mas não grites, mãe, eu oiço tudo o que tu dizes, logo, logo quando dizes e pedes. E quando mandas. Grita menos, mãe. Porque a raiva, a amargura, a solidão, a obsessão são como o desgosto que temos pela canela – não desaparece. Os gritos não te fazem doer a cabeça e a garganta? A tua cabeça e a tua garganta?





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