Auto-retrato Charles Thurston Thompson, Inglaterra 1853 ("Figuras de Espanto")
estás a ver a sombra?
estás a ver a sombra? assim estás contra luz,
ficará uma mancha branca e indefinida, eu não gosto do lado direito, o meu
melhor ângulo é o outro, o lado esquerdo fica melhor, para me fotografares os olhos a brilhar, tem
de ser de frente, mostra, deixa-me ver, não gosto, tiraste-me uma fotografia à
boca, qual é o interesse de tirar uma fotografia à boca? a preto e branco
também se percebem as rugas do pescoço, fizeste de propósito. As fotografias a
preto e branco têm mais luz, maior definição, a fotografia é a preto e
branco. Sim, estou a divagar, estás
atrasado - há duas horas que espero por
ti, foste comprar um cartão para a máquina? inteirinho para mim? fotografias
minhas a preto e branco? há duas horas que te espero, estacionaste mal o
carro? a menina da caixa reconheceu-te e tiveste de fazer conversa?! pois, és
bem educado, eu sei, o trânsito fica caótico quando chove, hoje choveu? em que
cidade? insistes nas fotografias, ainda vou ficar mais bonita, ainda mais
bonita? deste as mesmas desculpas a última vez que te atrasaste, lembraste? íamos
ver o rio… apanha-se mais depressa…
clichés, provérbios de algibeira, o que tu quiseres, eu não quero mais
fotografias, pronto, não quero, queria e, agora, já não quero, gosto das
fotografias que me tiras, tiraste-me fotografias nua, dessas gostei assim-assim, gostámos os dois, o teu olhar não te
atraiçoa, não estou arrependida, de que adianta o arrependimento depois de o mal
estar feito? o “mal” não é despir-me para os teus olhos que nunca te atraiçoam,
o ”mal” é ficar quieta, sossegada, muda à tua espera, na certeza de o tempo a
passar, e eu aqui, aí tens tu o “mal”, só tu me fotografas a alma? a alma? não
sejas ridículo, que sabes tu da alma, pára, a luz já não está boa, o sol
desapareceu, ficarão muito escuras, serão
sombras e manchas, sem sentido,
nada disto faz sentido, não quero que me tires mais fotografias, não quero, o
meu vestido é bonito? preto, bonito e fácil? um vestido fácil? vestido fácil?! o que é que queres dizer com
isso? o perfume dá-te vontade de…, não me agarres as mãos, não me prendas as
mãos, as mãos não – desequilibraste e ficas com a minha alma, a preto e branco,
nos teus olhos, vesti-me assim, só para me
fotografares? estamos com muito sentido de humor, queres ver-me rir, uma
gargalhada, só uma?! então não tens a minha alma, nos teus olhos, no cartão da
tua máquina? de que estás à espera? vá, faz-me rir. Vou mudar de vestido e acender a luz. Não consigo ver as sombras.
Vá, faz-me rir, mas continuando a pensar. Texto genial. Vais sempre surpreender-me, eu sei!
ResponderEliminarMaravilhoso, Linda.
ResponderEliminarFico com respeito pelo cavalheiro que te fotografou a alma. Mais um excelente texto, pois!
ResponderEliminarLindo!
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