domingo, 29 de junho de 2014

Um fio de couro com uma cruz de prata.






Um fio de couro com uma cruz de prata.

Tenho guardado na gaveta mais pequena da minha mesa de cabeceira, com o termómetro, as aspirinas, um bilhete antigo de um concerto que faz de mim aquilo que hoje sou, uma pulseira com o fecho partido e outras bugigangas que, agora, não ocupam lugar,  um fio de couro com uma cruz de prata. Mais uma peça que carrega como todas, que por razões que só nós sabemos explicar, a história, ou histórias que nos lembrarão sempre que o tempo também tem um tempo e que a vida não se condói com as horas certas de um relógio a horas e o que escolhemos é muito pouco,já, todos nós  sabemos. Não sei se aqui haverá algum mistério, alguma explicação filosófica, ou apenas, o sensaborão cliché “aconteceu assim, porque assim tinha de ser”. O fio com a cruz, por agora, é uma recordação e uma presença. Adiar um arrepio, ou dar tempo a que a pele que se deseja se guarde dentro de uma gaveta é a expressão de uma fragilidade humana. Nada contra. Só dói um bocadinho, porque sabemos que o momento em que estamos muito perto de uma felicidade, ainda que muito pequena, é irreversível – nunca voltamos à carícia que podia ter sido, nem à história que deixámos de contar. Somos muito frágeis perante a felicidade, e o corpo que por magia se encaixa no outro, num primeiro momento. É raro. Não é assim que se faz, não é assim que se imagina, não é assim que nos foi ensinado. Pois não. E, não, ali, não havia mais ninguém, não podia haver. A intimidade que surge de um corpo que se encontra e o desenho que sabemos de cor de um sinal que, apenas, se viu uma vez, é um prémio. Assustamo-nos. Uma guloseima muito  grande para umas mão tão pequenas. E o tempo corre e a vidinha é num escritório, numa saída de metro, no sítio do costume. Creio que foi a Agustina, minha querida Agustina, que disse que o ser humano é muito pouco corajoso perante a diferença e, apesar de fazer da procura de felicidade ser uma das suas insistentes e mais prementes buscas encolhe-se, esconde-se quando a encontra. Literatura, é só Literatura e o fio de couro com uma cruz de prata na minha mesa de cabeceira, é  o quê? Uma lembrança para mais tarde recordar. A lembrança de uma felicidade que se adiou, Isto não será literatura? Não sei lê-la de outro modo. A Fera na selva? Alexis? O Quarteto de Alexandria? Que sabemos nós da vida? Do seu mistério? Do mistério das nossas fantasias? Preenchemos um formulário, compramos um bilhete de comboio, vamos ao fim do mundo à procura de uma paisagem diferente, resolvemos difíceis equações de matemática e de nós sabemos tão pouco! Não conhecemos os sentimentos de uma mulher, não percebemos o egoísmo dos homens e todos os dias nos encantamos, todos os dias acreditamos como Scarlett que amanhã é outro dia. Mas não é. Somos vida e o que a vida “muito bem entendeu que fizéssemos com ela”, dizia a minha avó e com a mesma ligeireza dizia-me: “Quando fores estudar para Lisboa leva um vestidinho mais composto para ires ao cinema “. Aqui está o que mudou: a compostura com que se a vai ao cinema, porque avó, a vida vive-se da mesma maneira, Avó, falo de sentimentos. (Estou a ouvir-te dizer, Paula B, deixa o gajo, ele não percebeu nada.) Talvez, tenha percebido, mas é tão banal pensar que a tua descompostura, irreverência, o “pensas demais”, a tua força ”, assusta os homens. Nem pareço eu a falar!Isso significa o quê? É muito simples: esqueces os príncipes encantados e vais-te ajeitando conforme podes, Talvez, tenhas razão. Talvez. Onde é que está escrito que a felicidade passa, sempre, pela evidência de uns sapatos maiores que os teus debaixo da tua cama? Dá-lhe um tempo! Aí é que está -  um tempo -  a única coisa que não podes dar. Porque não te pertence. Não lhe devolvas o fio. Deixa-o viver a vida dele e vive a tua – que é tão Grande!

 



(A casa está em silêncio, os miúdos, estão nos seus caminhos, os meus pais envelhecem , uns dias mais felizes que outros. Apetece-te ir dancar? Vai miúda, vai se te apetece. Malditas pilhas que não te refreiam. Vai, ao contrário de algumas cabeças, o tempo que te resta já não é assim tanto.Tempo,deixa-a  dançar. E, se ele estiver acompanhado? O quê? Pensavas que ele estava sozinho?!)


O silêncio da minha casa faz-me muito feliz. E, como estive a escrever, arrumei alguns bocadinhos da vida que estava cheia de lágrimas.


 
 

 






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