Um fio de couro com uma
cruz de prata.
Tenho guardado na
gaveta mais pequena da minha mesa de cabeceira, com o termómetro, as aspirinas,
um bilhete antigo de um concerto que faz de mim aquilo que hoje sou, uma
pulseira com o fecho partido e outras bugigangas que, agora, não ocupam lugar, um fio de couro com uma cruz de prata. Mais
uma peça que carrega como todas, que por razões que só nós sabemos explicar, a
história, ou histórias que nos lembrarão sempre que o tempo também tem um tempo
e que a vida não se condói com as horas certas de um relógio a horas e o que escolhemos é muito pouco,já, todos nós sabemos. Não sei
se aqui haverá algum mistério, alguma explicação filosófica, ou apenas, o
sensaborão cliché “aconteceu assim, porque assim tinha de ser”. O fio com a
cruz, por agora, é uma recordação e uma presença. Adiar um arrepio, ou dar
tempo a que a pele que se deseja se guarde dentro de uma gaveta é a expressão
de uma fragilidade humana. Nada contra. Só dói um bocadinho, porque sabemos que
o momento em que estamos muito perto de uma felicidade, ainda que muito
pequena, é irreversível – nunca voltamos à carícia que podia ter sido, nem à
história que deixámos de contar. Somos muito frágeis perante a felicidade, e o
corpo que por magia se encaixa no outro, num primeiro momento. É raro. Não é
assim que se faz, não é assim que se imagina, não é assim que nos foi ensinado.
Pois não. E, não, ali, não havia mais ninguém, não podia haver. A intimidade
que surge de um corpo que se encontra e o desenho que sabemos de cor de um
sinal que, apenas, se viu uma vez, é um prémio. Assustamo-nos. Uma guloseima
muito grande para umas mão tão pequenas.
E o tempo corre e a vidinha é num escritório, numa saída de metro, no sítio do
costume. Creio que foi a Agustina, minha querida Agustina, que disse que o ser
humano é muito pouco corajoso perante a diferença e, apesar de fazer da procura
de felicidade ser uma das suas insistentes e mais prementes buscas encolhe-se,
esconde-se quando a encontra. Literatura, é só Literatura e o fio de couro com
uma cruz de prata na minha mesa de cabeceira, é o quê? Uma
lembrança para mais tarde recordar. A lembrança de uma felicidade que se adiou,
Isto não será literatura? Não sei lê-la de outro modo. A Fera na selva? Alexis?
O Quarteto de Alexandria? Que sabemos nós da vida? Do seu mistério? Do
mistério das nossas fantasias? Preenchemos um formulário, compramos um bilhete
de comboio, vamos ao fim do mundo à procura de uma paisagem diferente,
resolvemos difíceis equações de matemática e de nós sabemos tão pouco! Não conhecemos
os sentimentos de uma mulher, não percebemos o egoísmo dos homens e todos os
dias nos encantamos, todos os dias acreditamos como Scarlett que amanhã é outro
dia. Mas não é. Somos vida e o que a vida “muito bem entendeu que fizéssemos com
ela”, dizia a minha avó e com a mesma ligeireza dizia-me: “Quando fores estudar
para Lisboa leva um vestidinho mais composto para ires ao cinema “. Aqui está o
que mudou: a compostura com que se a vai ao cinema, porque avó, a vida vive-se
da mesma maneira, Avó, falo de sentimentos. (Estou a ouvir-te dizer, Paula B, deixa o gajo, ele não percebeu nada.)
Talvez, tenha percebido, mas é tão banal pensar que a tua descompostura,
irreverência, o “pensas demais”, a tua força ”, assusta os homens. Nem pareço eu a falar!Isso significa o quê? É muito simples: esqueces
os príncipes encantados e vais-te ajeitando conforme podes, Talvez, tenhas
razão. Talvez. Onde é que está escrito
que a felicidade passa, sempre, pela evidência de uns sapatos maiores que os
teus debaixo da tua cama? Dá-lhe um tempo! Aí é que está - um tempo - a única
coisa que não podes dar. Porque não te pertence. Não lhe devolvas o fio.
Deixa-o viver a vida dele e vive a tua – que é tão Grande!
(A casa está em silêncio, os miúdos, estão nos seus caminhos, os meus pais envelhecem , uns dias mais felizes que outros. Apetece-te ir dancar? Vai miúda, vai se te apetece. Malditas pilhas que não te refreiam. Vai, ao contrário de algumas cabeças, o tempo que te resta já não é assim tanto.Tempo,deixa-a dançar. E, se ele estiver acompanhado? O quê? Pensavas que ele estava sozinho?!)
O silêncio da minha casa faz-me muito feliz. E, como estive a escrever, arrumei alguns bocadinhos da vida que estava cheia de lágrimas.
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