segunda-feira, 29 de julho de 2013

No peito da Célia só cabe um coração.




                               No peito da Célia só cabe um coração.

(Vou contar-vos como o homem morreu, como o coração deixou de bater, dentro do seu.)

      Sentiu  durante a tarde o vento frio, correntes de ar que se escapavam através de uma porta entreaberta, golpes de vento  no calor do corpo, as mãos a estalar os dedos. A voz não respondia à palavra. Não conseguia engolir, a garganta secara.Tão pouco um som. A tarde alongava-se. Em silêncio. O coração batia de forma irregular.  Ela não sossegava. Queria partir. Afastar-se do frio  que lhe gelava a espera. Procurava respostas, uma saída, um eco. O outro coração não chegava. Horas e horas sentada a bordar as desculpas e a contar os segundos que construíam a sua esperança. No jardim. Vazio e um chão que não acrescentava coisa nenhuma, um espaço em branco. O rio corria a seus pés. Muito negro e fundo. Olhava a luz que se agitava na maré. A lua minguava. A seu lado, passeavam e entendiam-se as pessoas. Cumpriam o encontro acertado. Ela continuava a esperar. Mas adivinhava o fim triste. Descalçou-se. Sentou-se no chão. E esperou. Uns minutos. De pedra. Longos e frios. Depois, começou a arrumar as promessas feitas. Olhou as unhas sem pele, a bainha desfeita da saia, a mala com o telefone impassível, as sandálias de verniz. Nada lhe pertencia. Também  não tinha importância. Não valera a pena o encontro.  Nem o casaco novo. Levantou-se. Muito direita. Sentiu os pés frios. Sorriu e seguiu em frente. Atravessou a rua. O último autocarro tardou a chegar.
 Ao domingo, o horário era diferente.

(Sentada à minha frente, a Célia não está a falar ao telemóvel. Não ouve música. Segue com os olhos tristes e mal riscados a linha de rio que nos acompanha.)







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