No peito da Célia só cabe um coração.
(Vou contar-vos como o homem morreu, como o coração deixou
de bater, dentro do seu.)
Sentiu durante a tarde o vento frio, correntes de ar que se escapavam através de uma porta
entreaberta, golpes de vento no calor do corpo, as mãos a estalar os dedos. A
voz não respondia à palavra. Não conseguia engolir, a garganta secara.Tão pouco um som. A tarde alongava-se. Em silêncio. O coração batia de forma irregular. Ela não sossegava. Queria partir. Afastar-se do frio que lhe gelava a espera. Procurava respostas, uma saída, um eco. O outro
coração não chegava. Horas e horas sentada a bordar as desculpas e a contar os
segundos que construíam a sua esperança. No jardim. Vazio e um chão que não
acrescentava coisa nenhuma, um espaço em branco. O rio corria a seus pés. Muito negro e
fundo. Olhava a luz que se agitava na maré. A lua minguava. A seu lado,
passeavam e entendiam-se as pessoas. Cumpriam o encontro acertado. Ela
continuava a esperar. Mas adivinhava o fim triste. Descalçou-se. Sentou-se no
chão. E esperou. Uns minutos. De pedra. Longos e frios. Depois, começou a arrumar as
promessas feitas. Olhou as unhas sem pele, a bainha desfeita da saia, a mala
com o telefone impassível, as sandálias de verniz. Nada lhe pertencia. Também não tinha importância. Não valera a pena o encontro. Nem o casaco novo.
Levantou-se. Muito direita. Sentiu os pés frios. Sorriu e seguiu em frente.
Atravessou a rua. O último autocarro tardou a chegar.
Ao domingo, o horário era diferente.
Ao domingo, o horário era diferente.
(Sentada à minha frente, a Célia
não está a falar ao telemóvel. Não ouve música. Segue com os olhos tristes e
mal riscados a linha de rio que nos acompanha.)
Sem comentários:
Enviar um comentário