Dianne
Reeves
Dona de uma
voz enorme, arrebatadora, um instrumento, mais um a entrar-nos pela pele. Boa
disposição, ritmo, calor, groove e swing. Sintonia. Os músicos são uma família
escolhida e falam a mesma língua. Apresentados, um a um a um, como uma cantiga.
Rimos e batemos palmas. Gosta-se. Ouve-se a respiração. Partilha-se a alegria e
o prazer de estar ali. Uma voz quente e de tudo a fazer uma canção - it's rainninig in the stage. In the stage,
the rain. E choveu, no palco. Choveu mesmo, de verdade. Stormy Weather, no início, assim tinha de ser. Não
fazia parte do improviso, mas ela improvisou logo ali o refrão. A gargalhada que nos
contagia e trazemos para casa. Poderosa voz, elegantes de talento, os músicos,
o improviso: uma boa noite de jazz. Our
love is here to stay, no final, só ela e as mãos de Romero Lubambo,
brasileiro do Rio, amado e companheiro de beautiful
music e caipirinhaz, muitas noites, uma vida inteira, confessou-nos. Como
se fôssemos íntimos. Fiquei com a voz, quando cheguei a casa, atirei: muito boa onda, um concerto com muito boa
onda. Já se habituaram, não se importam de arrumar a cozinha, nem de ouvir
Dianne Reeves nos próximos dias, os
auscultadores, mãe, põe os auscultadores, por favor. Sou bem-mandada.
Às vezes,
uma Beautiful
Life.
Há quem
compre viagens a preço da chuva, goste de marisco, vá a todas as
estreias de teatro, lançamento de todos os livros, compre todos os livros. Há quem faça yoga, sexo
tântrico, saunas, puzzles, massagens em spas, viagens pelo país real. Há quem
coma muitos chocolates. Nada contra. Eu vou à música. Compro o bilhete com
muita antecedência. Nas primeiras filas. Plateia. A fila D é muito atrás. Vou sozinha. Triste?
Não, não é. Não posso pedir a ninguém que goste da mesma canção e a queira
ouvir três ou quatro meses depois. Quando vou acompanhada, o lugar é muito à frente, o lugar é muito atrás, já viste o vestido
dela? Olha, repara naquele homem, não
é nosso vizinho? Se calhar conheço-o da televisão e blá, blá, blá. Gosto de
me concentrar e viajar até à canção de que sei letra, o ritmo que me leva para
um qualquer sítio e, até, ouvir as conversas do casal ao meu lado, os miúdos
que no fim assobiam, as amigas que compraram a assinatura e vão aos concertos, discutem o cabeleireiro, o filme, o livro de Saramago, quando as luzes da sala ainda se veem. Durante o concerto não existo,
não tenho dores, não penso na vida, nada. Só a música e eu. Quanto baste.
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