Coisas de gaja.
Só as mulheres percebem as
dores das outras mulheres. As dores que vêm do fundo, do buraco. De um vazio e
da tristeza de não se saber viver assim. Apanham os cacos, encontram-nos. Põe-nos
no lugar. Encaixam as peças que se soltam, como se de um grande puzzle se
tratasse, daqueles muito difíceis, com vários tons da mesma cor, céus
intermináveis, castelos, caras com rugas, pestanas e tudo. Percebem as lágrimas,
os soluços. Sem pudor, sem vergonha. Revezam-se para tomar conta dos filhos,
das angústias, da lista das compras, das casas, umas das outras. Não precisam
de pedir licença para entrar. Já lá estão. Sempre estiveram. Ou acabaram de
chegar. Advinham o desgosto, a perda, a solidão, a crueldade dos filhos, a
adversidade. O luto. Percebem tudo. Unem-se. Encontram-se nas vontades. Dão-se umas
às outras. Amizades de uma vida inteira, ou amizade de várias vidas. Ou não. Acertam
as deixas. Cúmplices, sabem os textos de cor, aconselham a cor dos sapatos e a
desculpa. Zangam-se e dão colo. Acabam as frases, ensaiam juntas as queixas.
Calculam o passo seguinte, mostram, partilham e dão as mãos. Fazem promessas às
santas da sua devoção. E cumprem. Guardam segredos. Não pedem troco. Emprestam
os melhores vestidos, a carteira para as festas, as gargalhadas. Brilham-lhes
os olhos de alegria, ou de água, o que for, o que tiver de ser. Respeitam-se e
defendem-se. Acodem aos pedidos de socorro. Do salto partido ao verniz das
unhas. São coisas só delas. Coisas que só elas sabem: coisas de gaja.
Sim, só as mulheres sabem fazer tudo isto. Por isso me dói tanto quando as vejo usar estas características em sentido contrário. Adorei o teu texto.
ResponderEliminarE refazer a maquilhagem à amiga que a desbotou porque se debulhou, e tem as mãos a tremer. E emprestar livros de poesia.
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