quinta-feira, 3 de outubro de 2013

O vestido de noiva amarelo.

Pablo Picasso, Bride,1969


O Vestido de noiva amarelo




Sou do amarelo solar e brilhante como todas as  flores que se soltam na primavera. Sou do amarelo e caso no  domingo. No próximo domingo. Escolhi o domingo, porque é o dia da semana  de que mais gosto. Não tenho a melancolia dos domingos e só fico triste, o que é muito raro, quando tenho de olhar para um dia sem sol. Às vezes, acontece, mas mesmo nos dias cinzentos da estação do ano mais dourada, o sol espreita por trás de uma  nuvem qualquer. Quando era uma criança insuportável, passeava todos os domingos,  de mão dada, com o meu pai. Lembro-me do seu sorriso claro, das mãos grandes e dos dedos amarelos da nicotina. Ouvia dizer que os dedos manchados pelo fumo dos cigarros era mau sinal. Doentio e sujo. Eu não me importava, eram os dedos do meu pai, por isso, podiam estar amarelos. Eu sou do amarelo. E caso no  domingo. Rosas amarelas, uma mesa cheia de pão-de-ló e copos delicados com uma risca muito fininha de ouro vivo. Também gosto do champanhe, porque é amarelo. Sim. Mais claro, quase transparente, mas amarelo, ou melhor, amarelinho e faz cócegas no céu da boca. Terei tudo isso. E um vestido amarelo. Tenho sonhado com um vestido de noiva amarelo. Não quero branco. Eu sou diferente: sou do amarelo. Sonhei com um decote que deixasse de fora os ombros e mais nada. Um vestido com um decote em forma de lua deitada, muito justo na cintura, e a tapar metade dos joelhos, sem botões nas costas e uma saia rodada desde a anca até  à bainha. Sonho com este vestido todas as noites. Sempre sonhei comigo de vestido amarelo, alegre, vistoso e envergonhado, ao mesmo tempo.Magnético. Confortável. Esplendoroso. Caso no domingo e ainda não tenho o meu vestido amarelo. Procurei em lojas chiques, em lojas pequenas de vão de escada, em lojas hippies, em lojas com montras altas  e em lojas de vestidos de todas as cores. Tenho andado à chuva pelas avenidas da cidade. Molhada. Às voltas. A entrar e a sair. A vestir e a despir. Insisto no amarelo. No sol. Esplendoroso. Magnético. O vestido para a noiva que serei eu no próximo domingo. Corro atrás do metro, da hora de ponta, do autocarro e ao taxista pedi que me levasse à rua das lojas dos vestidos amarelos. ‘Essa rua não existe, menina’. Insisto. Tem de haver uma rua de lojas que vendam vestidos amarelos. ‘Só amarelos, menina?’ Sim, respondo. E engulo um nó. Caso domingo, dia de sol e de vestidos simples e esplêndidos. Amarelos. E se não encontrar o meu vestido? O vestido dos meus sonhos. Talvez não o encontre. Nunca. Casarei no domingo com um vestido de outra cor. Sim. Sentirei a falta do meu vestido amarelo. Mas vou fazer de conta que o decote é em forma de lua deitada e amarela. Assim será como se o tivesse – o meu vestido. À minha medida e da cor que me pertence. Farei de conta que casei com o meu vestido. Aquele vestido que era meu. Talvez a vida seja isto. Viver com o que tanta falta nos faz. Nem que seja um vestido amarelo.

 

2 comentários:

  1. Gostei. Tb tenho falta de um vestido amarelo. Sedoso e brilhante. :)

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  2. Amarelo sim, vestido amarelo. Adoro amarelo. Amarelo açafrão. Luz e alegria. Mas porquê vestido amarelo de noiva? De noiva, naaaaão. Vestido amarelo. Às vezes a incompletude é o mais completo. "Talvez a vida seja isto".

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