Arroz de lingueirão e Jean-Luc.
Fazemos sempre o mesmo.
Juntamo-nos, escolhemos o restaurante, compomos a roupinha, melhoramos a cor da
pele, pomos um brilhozinho nos lábios e um sorriso mais sério. Gostamos destes encontros, rimos, falamos de
sexo, dos homens, dos “ex” e dos que ainda moram nas nossas casas, às vezes, nos
nossos corações. Os filhos que temos, o que fazemos com a solidão que nos pertence, a política, o último
filme que vimos, o que andamos a ler, o resultado das últimas análises, a Vida
e a vidinha... Afastamos a tristeza – com o Guadiana, por perto, as gargalhadas
saltam. Felizes. Não, não somos as raparigas do Sei Lá, porque nenhuma de nós
consegue manter os lábios pintados durante tanto tempo. Tudo pode ser assunto
para nos ouvirmos, darmos a nossa opinião, alongar a nossa vaidade, bebermos
uma garrafa de tinto, meia dúzia de imperiais. O que for. Já não vamos à infância,
um ou outro episódio da adolescência. Lembram-se daquela vez? Gostamos de estar juntas, de rirmos das
figuras que fazemos, de bocas foleiras, dizer palavrões, de nos sentirmos, ainda, tão perto, tão umas das outras.
Arroz de lingueirão, barriga de atum, lulas grelhadas e deixamos as palavras
rolarem. Não nos importamos quando uma gargalhada mais alta nos mostra um olhar
de soslaio de um casal muito arrumadinho. Estamos na nossa terra,
estamos juntas. E, mesmo que uma dor nos cale, por momentos, bastará uma
nódoa numa camisa de seda, ou um sinal de um sms para a conversa continuar. A C tem um namorado novo, a
F vai viajar no próximo verão, a T perdeu peso, a S lamenta que o vinte cinco
de abril tenha sido há quarenta anos e que já ninguém se lembre, a M está
escrever um livro, Glória é o filme que todas queremos ver, a P baralhou as
datas e comprou bilhetes para o concerto errado. Rimos. Põe os óculos, gritamos em coro, alguém quer sobremesa? não, não, nenhuma de nós aprecia os
ginásios. As vidinhas de cada uma de nós, ali no papel branco que são, agora,
as toalhas de mesa. Estávamos bem, por isso, antes do café e da conta tive de lhes
contar. Ah! Jean-Luc, tive de lhes falar de ti. Tive de lhes contar,
Jean-Luc. Queria dar-lhes este segredo, queria que ríssemos todas, que nos
brilhassem os olhos, pedir-lhes um abraço, queria descrever a cor do teu cabelo,
as mãos grandes, pronunciar com as letras todas J e a n – L u c. Deixaram-me
falar, contei-lhes as conversas intermináveis, os dedos a escreverem corações, a
facilidade em trocar elogios. Em francês. Ainda
falo muito bem francês! Sim, eu sei que vocês sabem. Versos inteirinhos das canções
do Brel. E logo do Brel? Do Brel, o teu Brel? Jean-Luc, Jean-luc, repetia a C, como no filme, e é parecido com o ator do
filme O Artista? E agora? Como vais fazer? Vais viver para Paris? Agora, não
sei. Talvez nos encontremos, outra vez. Ou não. Não sei. Vou deixar o tempo
passar. Vais deixar o tempo passar? Não sei, não sei. Repetia. Não há muito a fazer, pois não? Se calhar,
regressa um dia destes para te ver, ou combinam encontrar-se a meio caminho. J’aime
Paris au mois de mai. Parem de cantar, se faz favor. Não poderias ter
encontrado um Jean-Luc que fosse filho de emigrantes? Que vivesse em Portugal? Uma
nuvem pairou, uma sombra muito breve no papel branco. Manchado de amarelo e
encarnado. Arroz de lingueirão e vinho tinto. Pagámos, vestimos os casacos e
saímos.
Vamos beber outro café no sítio do costume?
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