domingo, 27 de abril de 2014

Glória



Glória

O filme Glória não nos diz nada que nós, mulheres, não soubéssemos, a saber: as mulheres vão sozinhas para todo o lado, dançam onde quiserem e dormem com o senhor bem apessoado que se lhes atravessar no caminho, se assim o entenderem. Sim tudo isto, nós, mulheres, sabemos muito, além disso, educamos sozinhas os filhos, tratamos dos netos, amparamos os desgostos, afeiçoamo-nos, damos um abraço ao gato  do vizinho esquizofrénico se ele no-lo pedir.Trabalhamos e somos boas no que fazemos. Separamos, com inteligência, o presente do passado e organizamo-lo com método. Deixamos que o futuro parta para a Suécia e damos o anti biótico de oito em oito horas. É a sabedoria que aprendemos com as avós analfabetas, mas que sabiam do mundo mais do que se aprendia na escola. Será dos genes? Será. O filme Glória não traz nada de novo e, se dúvidas tivéssemos, os homens não saem à rua sem o casaco coçado que a mulher passou a ferro, nem a culpa que - “chefe de família”-  sente quando se oferece a si próprio o direito de ser feliz. E, se esse “chefe de família”, se liberta e salta de uma cama quente para outra mais quente, aos trinta anos, no momento em que os filhos o abraçarem, vinte anos depois, chora, lágrimas de um tinto de casta selecionada, o sucesso e a entrada na idade adulta dos filhos, que não viu acontecer. Há vencedores numa relação amorosa que termina com uma separação? Não, não há, mas a harmonia é bordada a ponto cruz, perfeito, pelas mulheres que a um só tempo são mãe e pai. E o filme Glória é isto. E, não os homens não são “grande coisa”, neste filme! Não são heróis, não são responsáveis, não são bons pais, não são bons companheiros, não são uns filhos da puta e, se chamarmos ao par de Glória, cabrãozinho, estamos a ser generosos. Não é ficção, é a vida, é a educação, a sociedade que protege os “seus homens” e é, quero - com alguma – ingenuidade – pensar esta herança judaico-cristã que ensinou as mulheres a cozinhar a sopa de legumes e o homem a ganhar o pão que sustenta a família, com o suor do seu rosto. Glória é um filme que vive do desempenho da personagem principal, da sua maturidade e da sua liberdade, a pulso, conquistada. Não é um ror de clichés, porque, pela primeira vejo num filme, uma  heroína que é tão bonita quanto eu, ou quanto tu e que aos 50/60 anos tem maturidade, vida, sensualidade e, imagine-se, vida sexual. É uma mulher que tem prazer físico, passo a redundância, numa relação amorosa. Sim, o cinema está cheio de belos exemplos, mulheres deslumbrantes, curvas perfeitas, maminhas muito firmes, caras desenhadas com a habilidade de um fotógrafo muito competente, mas muito jovens de silhueta e experiência. Estão a imaginar uma cinquentona, madura, de óculos, avó, ao balcão de uma discoteca a beber copos e fumar umas  ganzas com as amigas ou sozinha ? Estão? Já tinham visto uma protagonista com estas características? Eu não! É decadente? Não? Tem pouca dignidade? Não! É inverosímil? Não! É pouco séria? (pois o cliché, judaico – cristão) Não. É igual a tantas outras mulheres, como eu, iguais a mim e que usam óculos, como tu. Mulheres normais - signifique o que significar – o adjetivo normal e o desempenho da atriz , Paulina Garcia, valeu-lhe o Urso de Prata no Festival de  Berlim em 2013. O realizador, Sebastian Lelio, sabia o que estava a fazer. Eu gostei  desta Glória, segundo o argumento tem mais três anos do que eu. Estou, portanto, tranquila. Nem desesperada, nem “entradota”. Valham-nos estes chilenos que, de vez em quando, se lembram de nós. Que não somos louras, nem temos um metro e oitenta de pernas!

Registo o poema que o senhor, muito apaixonado, lê a Glória num assomo de paixão mais arrebatada. Quem não sucumbiria a um poema destes? Coloco a questão de outra forma: Quem não sentiria as pernas derreterem, ao ouvir um poema destes? Nós, mulheres, somos muito românticas e melodramáticas? Não, se calhar, andamos é a ler pouca poesia, uns aos outros. Homens e mulheres.
Deixo-vos o poema, leiam-no, se quiserem, se não quiserem, a mim não me fará diferença nenhuma.
Eu vou ali dançar e não sei a que horas  volto.

 [...]
Me gustaría ser un nido si fueras un pájaro
me gustaría ser una bufanda si fueras un cuello y tuvieras frío
si fueras música yo sería un oído
si fueras agua yo sería un vaso
si fueras luz yo sería un ojo
si fueras pie yo sería un calcetín
si fueras el mar yo sería una playa
y si fueras todavía el mar yo sería un pez
y nadaría por ti
y si fueras el mar yo sería sal
y si yo fuera sal
tú serías una lechuga
una palta o al menos un huevo frito
y si tú fueras un huevo frito
yo sería un pedazo de pan
y si yo fuera un pedazo de pan
tú serías mantequilla o mermelada
y si tú fueras mermelada
yo sería el durazno de la mermelada
y si yo fuera un durazno
tú serías un árbol
y si tú fueras un árbol
yo sería tu savia y correría
por los brazos como sangre
y si yo fuera sangre
viviría en tu corazón.



CLAUDIO BERTONI.

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