“Está sol no sul. Um
bom dia para ti e abraços mais logo. Beijo.”
- Guarda
essas palavras no teu coração, mana.
- Em que
outro sítio as poderia guardar?
- Não sei,
tu tens de passar sempre tudo a limpo, tens de organizar tudo. Só sabes sentir
com a cabeça!
- Estás a
exagerar, eu sou só emoção, lamechice, coração, festinhas e abraços.
- Talvez,
depois de passar tudo pelo crivo do teu coração. Deixa-te ir. Arrumarás as tuas
“coisinhas” amanhã.
- Não
percebeste nada. Há muito tempo que não recebia um sms assim.
- E tens
deixado? Por acaso, lembraste dos conselhos que me deste?
- Sou muito
má conselheira!
- Não me parece. Depois de escalpelizares tudo até ao mais
ínfimo pormenor, depois de “processares” tudo, como tu gostas de dizer, depois
da cabeça, dizes tu, arrumada, então sim, permites algumas tréguas a ti
própria.
- Oh, mana, fazes de
mim um monstro.
- E não és?
- Não, não sou. Sou
normal, ressentida, ressabiada, cautelosa, tu conheces-me muito bem. Às vezes,
não tens razão.
- Eu só te disse para guardares as palavras no teu coração. E
que tal o sexo? Suponho que ainda gostes de sexo, não?
- Parva!
- E que tal o sexo?
- É bom. Eu gosto.
Gosto das mãos, mas conheço pouco.
- Vês?! Lá estás tu!
Deixa tudo acontecer, deixa fluir. Deixa a tua cabeça em paz. Gostas das mãos
aproveita as mãos, sem grandes teorias.
- Se pensas que te vou
contar, estás muito enganada!
- Não precisas de me
contar nada! Mas se quiseres sou boa ouvinte…
- Quando passa a palma
da mão….
- Ficaste com os olhos a brilhar.
- Fiquei?
- Sim. Isso é bom. Já te disse: “guarda as palavras no teu
coração”.
- Achas que ando com um sorriso estúpido na cara?
- Acho!
- Nota-se assim tanto?
- Nota-se. Não te preocupes.
- Como a história do
pirilampo e da cobra?
- Exatamente.
- Quem sou eu?
- Como se tu não soubesses!? És o pirilampo, mas há poucas
cobras à tua volta.
- Não sei se concordo
contigo.
- Há poucas cobras,
porque não sabem nada do teu brilho. Não lhes digas nada, se faz favor.
- Não, só falo
contigo.
- Acho bem, afinal, já
sou tua amiga -irmã há muitos desgostos.
- Desgostos de ambas.
- Sim, desgostos de
ambas.
- Gargalhadas?!
- Também. As nossas
gargalhadas incomodam muitas cobras..
- Ui! Achas que me
ajeito com esta “coisa” da escrita?
- Acho. Sempre te disse
isso, mas tu és muito preguiçosa.
- Não sou nada. Tenho
a lucidez de quem já leu muitos livros!
- Pois. E és
professora de Literatura e ensinas gramática e blá, blá, blá….
- Tens de arriscar. Faz de conta que é assim como uma relação
amorosa.
- Ai, agora
estragaste tudo: o exemplo da relação amorosa não é dos melhores. Dizes que eu
amo com a cabeça!
- E amas.
- Então terei de
escrever com a cabeça?!
- Geralmente é aí que
tudo começa.
- Perdi o fio do teu
raciocínio. Em que ficamos?
-É muito simples: amas
com o corpo, com o coração e escreves com a cabeça.
- E o resultado será
bom?
- Isso terás de ser tu
a descobrir.
- Boa. Não sei por que
é que estou para aqui a conversar contigo. Tu nem sequer és grande exemplo…
- O que não me impede de
dar bons conselhos.
- Pois.
- Não consegues dizer
mais nada?
- Não.
- Fiquei a pensar em
corações, em abraços, em pele contra pele, em beijos….
- Pronto, já aí tens
muito assunto para a tua escrita.
- E que faço à cabeça?
- Dói-te?
- Não gozes.
- Não estou a gozar.
Queres que volte ao pirilampo e à borboleta, ou aos riscos que TENS de correr?
- Que é que faço aos
sms e às cartas de amor? Nem sei se são de amor….
- Guarda-as no teu
coração e, aqui e ali, podes usá-las na tua escrita.
- E isso não é
desonesto?
- Não me parece. Com é
que achas que fazem todos os escritores?
- Não sei, se calhar
tens razão. Ninguém sabe da nossa vida, ninguém conhece a nossa vida como nós
próprios.
- Aí tens. Estás à
espera….
- Não estou à espera.
Procuro um fio, uma linha…
- Fio? Linha? Falamos
de escrita, não falamos de arrumações, nem de listas de compras.
- Então começo a escrever e depois logo se vê?!
- É um começo…
- Queres que te leia o
outro sms?
- Não, não quero, mas
tu vais lê-lo na mesma.
(os sms ficaram por ali o que não a impediu de
continuar a escrever e de ver o sol a
sul)
Belíssimo diálogo. Segui-te a linha e o coração. Agarrada ao teu texto.
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