sexta-feira, 17 de maio de 2013

Está sol a sul

Nascer do Sol, Claude Monet.




“Está sol no sul. Um bom dia para ti e abraços mais logo. Beijo.”

- Guarda essas palavras no teu coração, mana.

- Em que outro sítio as poderia guardar?

- Não sei, tu tens de passar sempre tudo a limpo, tens de organizar tudo. Só sabes sentir com a cabeça!

- Estás a exagerar, eu sou só emoção, lamechice, coração, festinhas e abraços.

- Talvez, depois de passar tudo pelo crivo do teu coração. Deixa-te ir. Arrumarás as tuas “coisinhas” amanhã.

- Não percebeste nada. Há muito tempo que não recebia  um sms assim.

- E tens deixado? Por acaso, lembraste dos conselhos que me deste?

- Sou muito má conselheira!

- Não me parece. Depois de escalpelizares tudo até ao mais ínfimo pormenor, depois de “processares” tudo, como tu gostas de dizer, depois da cabeça, dizes tu, arrumada, então sim, permites algumas tréguas a ti própria.

 - Oh, mana, fazes de mim um monstro.

- E não és?

 - Não, não sou. Sou normal, ressentida, ressabiada, cautelosa, tu conheces-me muito bem. Às vezes, não tens razão.

- Eu só te disse para guardares as palavras no teu coração. E que tal o sexo? Suponho que ainda gostes de sexo, não?

 - Parva!

- E que tal o sexo?

 - É bom. Eu gosto. Gosto das mãos, mas conheço pouco.

 - Vês?! Lá estás tu! Deixa tudo acontecer, deixa fluir. Deixa a tua cabeça em paz. Gostas das mãos aproveita as mãos, sem grandes teorias.

 - Se pensas que te vou contar, estás muito enganada!

 - Não precisas de me contar nada! Mas se quiseres sou boa ouvinte…

 - Quando passa a palma da mão….

- Ficaste com os olhos a brilhar.

 - Fiquei?

- Sim. Isso é bom. Já te disse: “guarda as palavras no teu coração”.

- Achas que ando com um sorriso estúpido na cara?

 - Acho!

 - Nota-se assim tanto?

- Nota-se. Não te preocupes.

 - Como a história do pirilampo e da cobra?

- Exatamente.

- Quem sou eu?

- Como se tu não soubesses!? És o pirilampo, mas há poucas cobras à tua volta.

 - Não sei se concordo contigo.

 - Há poucas cobras, porque não sabem nada do teu brilho. Não lhes digas nada, se faz favor.

 - Não, só falo contigo.

 - Acho bem, afinal, já sou tua amiga -irmã há muitos desgostos.

 - Desgostos de ambas.

 - Sim, desgostos de ambas.

 - Gargalhadas?!

 - Também. As nossas gargalhadas incomodam muitas cobras..

 - Ui! Achas que me ajeito com esta “coisa” da escrita?

 - Acho. Sempre te disse isso, mas tu és muito preguiçosa.

 - Não sou nada. Tenho a lucidez de quem já leu muitos livros!

 - Pois. E és professora de Literatura e ensinas gramática e blá, blá, blá….

- Tens de arriscar. Faz de conta que é assim como uma relação amorosa.

  - Ai, agora estragaste tudo: o exemplo da relação amorosa não é dos melhores. Dizes que eu amo com a cabeça!

  - E amas.

  - Então terei de escrever com a cabeça?!

 - Geralmente é aí que tudo começa.

 - Perdi o fio do teu raciocínio. Em que ficamos?

 -É muito simples: amas com o corpo, com o coração e escreves com a cabeça.

 - E o resultado será bom?

 - Isso terás de ser tu a descobrir.

 - Boa. Não sei por que é que estou para aqui a conversar contigo. Tu nem sequer és grande exemplo…

 - O que não me impede de dar bons conselhos.

 - Pois.

 - Não consegues dizer mais nada?

- Não.

 - Fiquei a pensar em corações, em abraços, em pele contra pele, em beijos….

 - Pronto, já aí tens muito assunto para a tua escrita.

 - E que faço à cabeça?

  - Dói-te?

 - Não gozes.

 - Não estou a gozar. Queres que volte ao pirilampo e à borboleta, ou aos riscos que TENS de correr?

 - Que é que faço aos sms e às cartas de amor? Nem sei se são de amor….

 - Guarda-as no teu coração e, aqui e ali, podes usá-las na tua escrita.

 - E isso não é desonesto?

 - Não me parece. Com é que achas que fazem todos os escritores?

 - Não sei, se calhar tens razão. Ninguém sabe da nossa vida, ninguém conhece a nossa vida como nós próprios.

  - Aí tens. Estás à espera….

 - Não estou à espera. Procuro um fio, uma linha…

 - Fio? Linha? Falamos de escrita, não falamos de arrumações, nem de listas de compras.

- Então começo a escrever e depois logo se vê?!

  - É um começo…

 - Queres que te leia o outro sms?

 - Não, não quero, mas tu vais lê-lo na mesma.

(os sms   ficaram por ali o que não a impediu de continuar a escrever e de ver o sol  a sul)



1 comentário:

  1. Belíssimo diálogo. Segui-te a linha e o coração. Agarrada ao teu texto.

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