sexta-feira, 31 de maio de 2013

O espelho de Laura.

 Norman Rocwell, Girl at the mirror, 1954


                                                         O espelho de Laura

 Há dias que vivem bem connosco, outros que nem por isso. Há dias que a imagem que o espelho nos devolve é exatamente aquela que queríamos ver. Há dias que o espelho mudou de lugar e, outros ainda, que o espelho nos devolve a pessoa que pensamos ser. O espelho olha-nos incrédulo e nós que pensávamos ver a nossa imagem, ao contrário: o lado direito no lado esquerdo e o lado esquerdo no lado direito, vemos a nossa alma de pernas para o ar. Há dias. Há espelhos. Acreditamos. Acontece. Parece muito simples. E há a Laura. Hoje, Laura gostou de si. Gostou do que viu ao espelho, gostou do jeito, dos olhos e da ilusão. Gostou. Talvez porque as dores tivessem desaparecido, talvez por pensar que se repetirmos, muitas vezes, uma ideia, uma ilusão, um desejo, acabamos por acreditar que acontece. Laura acreditava que tudo poderia acontecer, se acreditasse. Acreditar, apenas. Talvez.  Acreditava que aquele poderia ser um dia igual a outros. Um dia normal. Trabalho. Papéis. Sonhos. Compras. Um café com um amigo. Não estava mal aquela imagem de Laura ao espelho. Não, não estava. Saiu. Enrolou o sorriso num sorriso mais bonito  e quis fazer com o domingo um dia feliz. Em paz, compraria o jornal. Conversaria. Talvez encontrasse alguma resposta. Alguma cara conhecida. Talvez. E encontrou. Perfeito. Melhor: foi encontrada por um rosto de felicidade roubada, às claras, à felicidade de alguém. Sorriso satisfeito, rasgado, triunfante. Um sorriso feliz com os dentes à mostra. Um sorriso rodeado de amigos, de família satisfeita. Ficou com a imagem que vira ao espelho e de que tanto gostara  virada ao contrário. De repente, ficou reduzida a pó, menos que pó, menos que nada. Não ela não deveria estar naquela fotografia: aquelas pessoas não lhe pertenciam. Aquele lugar feliz não era seu. Laura não conseguiu evitar as lágrimas. O soluço estalou na sua boca. De soslaio, olhou para a sua imagem refletida num outro espelho – o vidro de uma montra serviu. Estava distorcida e sem cor. A verdade em que queria acreditar, afinal, era uma felicidade que não lhe pertencia. Cravou as unhas nas mãos fechadas. Ergueu a cabeça. Engoliu o tempo e o sonho. Apressou-se. Desceu a escada rolante. Fugiu para a porta de saída. O frio e a infelicidade apanharam-na de surpresa. Seguiria para casa. Arrumaria em qualquer lugar a fotografia que acabara de encontrar. Pensou em várias respostas. Escrever-lhe-ia. Poderia escrever-lhe uma carta de amor. Laura lembrou-se que ele gostava das suas cartas. Cartas de amor. Sim. Arranjaria uma desculpa e escreveria uma carta de amor. Laura gostava de acreditar e de escrever. O frio que lhe entrou pelo decote da camisa acordou-a do torpor magoado. Não. Hoje, Laura não faria nada disso. Chegaria a casa, olharia para o espelho e perguntaria pela Laura. A Laura que há algumas horas ali estivera, naquele mesmo lugar, à frente daquele espelho. A Laura tão sorridente e a acreditar.” Espelho, viste a Laura?”

(Então, espelho, não respondes?)
 
(texto publicado no FB em março de 2013 e agora rescrito para publicação a 31 de maio de 2013)

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