quinta-feira, 16 de maio de 2013

O passar do tempo.
 Víamos  as mãos, olhávamos as mãos. Os nós dos dedos, como os  nós muito apertados dos marinheiros, os dedos longos mexiam-se de um lado para o outro, torciam-se ávidos, sequiosos e cansados. Cruzava as mãos ao ritmo do bater do seu coração. Cruzava as mãos, nunca um verbo lhe parecia tão apropriado. Cruzar. Cruzava as mãos. Em seguida, víamos as unhas como garras, curvas, rijas e amarelas do desespero de um cigarro e outro e outro, muitos cigarros, desde sempre, desde menina. Aqui e ali, o escarlate do verniz estalara, descascara o brilho, permanecia a sombra de uma vaidade que a acompanhava desde sempre. Uma paleta de cores as unhas, as mãos e as sardas a terminar nos dedos. Ainda brancas e transparentes, as suas mãos tinham apertado muitas outras, acariciado muitas cabeças, selado promessas, exigido sonhos, tirado gemidos de prazer, lavado muita água. Agora, guardavam como um ranço o perfume de outras vidas. Agora, olhávamos as mãos e percebíamos as outras cores, as sombras dos gestos, as hesitações das palavras, o desbotado do cabelo. Os cabelos brancos não desistiam de crescer e as lágrimas eram  o único brilho dos olhos desesperançados. O olhar, às vezes sossegava, outras vezes fugia para longe. Quando se acendiam as marcas de desgostos antigos, as mãos tremiam e o sorriso amolecia, amarelecia e silenciava-lhe o suspiro que ainda lhe apertava o peito. Quando olhávamos para as mãos, compreendíamos a dor, percebíamos o cansaço, conseguíamos medir o tempo.

1 comentário:

  1. Bela imagem, Linda. A tristeza de envelhecer (se é que a há) deixa de o ser porque se transforma em poesia neste teu texto. Gostei muito e vou partilhá-lo no fb. :)

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