quarta-feira, 22 de maio de 2013

Matei-te, Alberto.

Peter Ilsted

 Matei-te, Alberto!

 Deixaste de responder às mensagens e de telefonar. Quando, engolindo orgulho e alvoroço, eu telefonava, tu respondias por monossílabos. Às minhas questões colavam-se as tuas evasivas e tinhas sempre qualquer coisa em que pensar, visitas para jantar um trabalho para concluir. Os nossos encontros existiam apenas dentro de mim e ao meu desejo tu respondias: “logo se vê”, “não tenhas pressa”, “controla a tua ansiedade”. Um dia, enquanto tu passeavas pela praia, “para esticar as pernas”- como disseste, numa voz cheia de desculpas, como mais tarde percebi, eu acabava com mil cuidados de rever um trabalho teu. Esticavas as pernas, vias o mar e arrumavas no coração a tua dor. Antiga. Com muitos cuidados, eu relia o teu trabalho. Generosa. Gostavas da minha generosidade. Tu não atendias o telefone. “Não terá rede”, pensava. Tu, Alberto estavas a olhar um mar diferente do meu. Partiste nesse dia. Sem aviso. Diminui de tamanho, os meus versos perderam o brilho, a poesia que líamos um ao outro desapareceu da tua estante e as minhas palavras morreram em silêncio. Adoeci. Voltei ao corpo sem graça, à cabeça sem alegria. Perdi as certezas, tu partiras e eu não entendia. Chorava horas a fio, escutava a tua voz sempre que o telefone tocava. Sentia as tuas mãos. Alberto, fazias-me tanta falta! Precisava da tua presença do teu olhar a perder-se no meu, nem que fosse, apenas, um breve, muito breve momento. “Iremos à praia. Beberemos uma garrafa de vinho”. Sim, Alberto. Prometeras-me as tuas mãos nas minhas: um breve momento teria sido um instante feliz. Tu continuavas longe. Ausente. Nunca mais respondeste uma palavra. Contaste uma história. Riste comigo uma gargalhada. A tristeza tornara-me uma pessoa diferente. A dor misturava os sentimentos. Eu era uma pessoa triste, todos os dias. Sofria a mesma dor, cada vez maior. Insuportável. A primavera tardava. Mas, às vezes, sentava-me ao sol. Escrevia. Escrevia-te uma carta todos os dias. Imaginei caminhos. Construí sítios, céus e pessoas. E chorava.

Olha, Alberto ainda sonho contigo. A primavera ainda não chegou. E eu não gosto do mês de maio. Mas já não tenho as mesmas lágrimas. Estou cansada e tenho frio. Agora, a tua felicidade é outro lugar. As palavras estão carregadas de magia e o mar do Guincho continua a rir na única fotografia que tirámos. Um único instante teria bastado. Um segundo entre o pôr-do-sol e a noite. As minhas mãos nas tuas, Alberto. O momento rápido de uma carícia esquiva. Teria sido tão pouco. Teria sido tudo. Mas, Alberto, tu não percebeste. Não quiseste. Não sentiste.

Perdeste-me Alberto, por isso, agora, vou matar-te. Matar-te-ei para sempre e tu nunca mais ouvirás falar de mim.

 





 

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