Peter Ilsted
Matei-te,
Alberto!
Deixaste de responder às mensagens e de
telefonar. Quando, engolindo orgulho e alvoroço, eu telefonava, tu respondias por
monossílabos. Às minhas questões colavam-se as tuas evasivas e tinhas sempre
qualquer coisa em que pensar, visitas para jantar um trabalho para concluir. Os
nossos encontros existiam apenas dentro de mim e ao meu desejo tu respondias: “logo
se vê”, “não tenhas pressa”, “controla a tua ansiedade”. Um dia, enquanto tu
passeavas pela praia, “para esticar as pernas”- como disseste, numa voz cheia
de desculpas, como mais tarde percebi, eu acabava com mil cuidados de rever um
trabalho teu. Esticavas as pernas, vias o mar e arrumavas no coração a tua dor.
Antiga. Com muitos cuidados, eu relia o teu trabalho. Generosa. Gostavas da
minha generosidade. Tu não atendias o telefone. “Não terá rede”, pensava. Tu,
Alberto estavas a olhar um mar diferente do meu. Partiste nesse dia. Sem aviso.
Diminui de tamanho, os meus versos perderam o brilho, a poesia que líamos um ao
outro desapareceu da tua estante e as minhas palavras morreram em silêncio.
Adoeci. Voltei ao corpo sem graça, à cabeça sem alegria. Perdi as certezas, tu
partiras e eu não entendia. Chorava horas a fio, escutava a tua voz sempre que
o telefone tocava. Sentia as tuas mãos. Alberto, fazias-me tanta falta!
Precisava da tua presença do teu olhar a perder-se no meu, nem que fosse,
apenas, um breve, muito breve momento. “Iremos à praia. Beberemos uma garrafa
de vinho”. Sim, Alberto. Prometeras-me as tuas mãos nas minhas: um breve
momento teria sido um instante feliz. Tu continuavas longe. Ausente. Nunca mais
respondeste uma palavra. Contaste uma história. Riste comigo uma gargalhada. A
tristeza tornara-me uma pessoa diferente. A dor misturava os sentimentos. Eu era
uma pessoa triste, todos os dias. Sofria a mesma dor, cada vez maior.
Insuportável. A primavera tardava. Mas, às vezes, sentava-me ao sol. Escrevia.
Escrevia-te uma carta todos os dias. Imaginei caminhos. Construí sítios, céus e
pessoas. E chorava.
Olha, Alberto ainda
sonho contigo. A primavera ainda não chegou. E eu não gosto do mês de maio. Mas
já não tenho as mesmas lágrimas. Estou cansada e tenho frio. Agora, a tua
felicidade é outro lugar. As palavras estão carregadas de magia e o mar do
Guincho continua a rir na única fotografia que tirámos. Um único instante teria
bastado. Um segundo entre o pôr-do-sol e a noite. As minhas mãos nas tuas,
Alberto. O momento rápido de uma carícia esquiva. Teria sido tão pouco. Teria
sido tudo. Mas, Alberto, tu não percebeste. Não quiseste. Não sentiste.
Perdeste-me Alberto, por
isso, agora, vou matar-te. Matar-te-ei para sempre e tu nunca mais ouvirás
falar de mim.
|
Gostei, Linda. <3
ResponderEliminarBelíssimo. Há sempre um dia em que matamos alguém.
ResponderEliminar