quinta-feira, 30 de maio de 2013




 
Roberto Chichorro,Maria de seu Nome




Chove. Há pouco dizia que os jacarandás azulavam uma das cidades da minha infância. Em maio, às vezes, em abril, já se viam impassíveis as flores a abrirem-se ao sol, do sul. Os  jacarandás chegavam-se  a nós e a todos os nossos sentidos. Chove. Na minha rua, nesta cidade que agora me pertence também há jacarandás. Sorriem para o Tejo. Mas há uma película de água que se agarrou às janelas, às portas, às paredes, ao chão. Transparente cobre as flores dos Jacarandás. Rente ao chão, mistura-se com a seiva das flores azuis. O Tejo vestiu-se de cinzento e empurrou para longe o azul. De uma janela de um edifício moderno, neste fim de tarde, não se avista a margem sul do Tejo. No sofá, enterrada e encolhida, espero que me chamem. Manchas encarnadas nas paredes amarelas. Sentada, olho a chuva. A névoa colada aos vidros. Regresso aos jacarandás e às ruas da minha cidade ao sol e à beira-ria. Chamam um doente e depois outro. Espero o meu nome. A conversa atravessa programas de televisão, vidas que não conheço. A minha vez tarda. Jacarandás azuis, paredes amarelas, um Tejo que não se distingue e pessoas que não conheço. “ Na escola primária onde fiz o exame da 4ª havia uns extraordinários jacarandás”, acrescento ao tumulto provocado pela estrela de televisão na primeira página da revista. “ Passei a minha infância ao sul a ver os jacarandás florirem. “ Entra outro doente. Impaciento-me no estofo, na chuva e no vento que abana as árvores no pátio amplo e moderno. Sala de espera virada para o rio. Escurece. Um minuto e o azul-jacarandá será cor da noite e do frio. A espera afasta a memória feliz de uma cidade azul, no mês de maio. Continua a chover. Morrem as cores alegres, a partir desta janela. Fim de uma tarde com chuva e sem candura. Pensar nas cores alfazema-azulada, azul-jacarandá, lilás-jacarandá e esperar. 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário