quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Chuva






Chove.

Quando as gotas grossas da chuva caem, formam no espelho que a água derramou, uns círculos perfeitos, transparentes e repetidos. Num desenho exato que não para e não se repete. Um círculo perfeito pequeno e redondo, um círculo perfeito, cada vez maior. Uma argola pequena de água, que se espalha e desenrola numa argola maior e longe. Ajustam-se estas águas, mas não se abraçam e pingam, pingue-pingue, uma a uma, da mesma nuvem escura, disforme e cheia. Tingem-se de cores de rua: alcatrão, laranja pintado de castanho do barro que se desfaz, cinzento-escuro, prata pintada a verde. As cores do sítio onde caem. Redondas. Musicais. Quando não há vento, as gotas grossas da chuva espalham círculos perfeitos que não se tocam. Crescem. Afastam-se.

De cima, da janela que espreita a chuva, vejo o lago que tapa ou molha as solas dos sapatos. Agora, a noite apagou o céu e o brilho do rio. Os círculos perderam a perfeição e a luz. O vento veio com a noite e limpou as linhas perfeitas. Arrasta-as para outras formas, outras margens. As gotas mais longas vêm velozes e acossadas, pelos caminhos abertos entre os prédios e as varandas largas. Ruidosas. As copas das árvores e os candeeiros deixam-se ir nesta dança. Água e vento. A acompanhar a luz e a sombra, a chuva corre para o rio, rolos de folhas, papéis, plástico e troncos partidos. O ritmo mais veloz à procura do sossego da água larga e escura. Distante. À beira das luzes da cidade.

3 comentários:

  1. Lindo. São parágrafos do teu livro.

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  2. És mesmo muito gentil. E logo tu, professora de Português com km de páginas lidas e estudadas!!!
    Fico tão vaidosa. Obrigada, amiga.

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  3. Textos soltos e tão belos. Sim, espero-os um dia num livro à minha mesa de cabeceira.

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