A LISTA DE COMPRAS
Entra no supermercado.
Grande. Claro. Amplo. Segue um rasto que ele tenha deixado, um traço de cabeça
e corpo, ao longe. A lista, sabia-a de cor. Lembrou-se do que ele costumava
comprar. Espreitou o corredor dos produtos de limpeza e arrumou no carrinho as
lixívias, os detergentes, o sabão. Olhou em volta: “Precisaria de algum detergente?” Não havia a marca. Seguiu para o
papel higiénico, o papel de cozinha, “Papel
higiénico preto?!”. Ririam os dois. “A
prateleira das velas?” Gostavam de velas, ou melhor, ela gostava de velas.
Coloridas. Grandes. Pequenas. Perfumadas. Castiçais de vidro. Encontrou-as,
escolheu uma a cheirar a sândalo – para afastar ‘o mau olhado’-, escolheu outra
de ‘baunilha e canela’, para a cozinha. “A
cozinha a cheirar a pudim Flan”.
Por momentos, esqueceu-se de o procurar. Orientou-se entre crianças, outras pessoas e doces, pensou
nele a escolher bolachas. Com recheio de chocolate. Sim, ele compraria com
chocolate para as meninas. “Vou levar as
Maria torradas de marca branca, são mais baratas, têm pouco açúcar, eles gostam
entre um jogo de computador e um exercício de matemática”. Não escolheriam
as mesmas bolachas, mas não discutiriam. Arrumariam em lugares diferentes. Como
fizeram com a vida. Alinhada - um lado diferente para cada um.“ Eu não lhe teria dado uma gaveta para as
peúgas?! Se ele me tivesse pedido! Não pediu. Não quis. Eu não quis. Coração
vazio. Gaveta sem nada lá dentro. Escolhi mal.” Lembrou-se que teria ainda
de passar pelos congelados. Escolher pão. Pesar fruta. Não o encontrava em lado
nenhum. ”Estaria na peixaria? Ele gosta de
cozinhar peixe.” Sabor a maré. Sabor a beijos. Arrepiou-se. Lembrou-se da
boca cheia de beijos. “Tenho de ir
escolher iogurtes e esquecer. A partir de agora, a partir de ontem, quero
deitar fora tudo o que não me fizer falta. Os beijos a saber a mar estão na
lista das coisas de que não preciso. Os seus abraços vêm a seguir. As promessas coloquei no lixo para reciclar.” Iogurtes, leite,
queijo, manteiga. De memória compunha o frigorífico e o armário das mercearias.
Também não o viu a escolher café. Não estava nas massas, nem a seguir ao arroz.
“ Ia jurar que tinha entrado à minha
frente. Enganei-me. Seria outra pessoa. Está sempre a acontecer-me – vejo-o em
todo o lado. Eu a querer seguir em frente e a saudade a insistir. Já posso ir
para a caixa. Está tanta gente à
minha frente! Vou olhar para a cara das pessoas. Vê-las até a sua imagem ser um borrão. Apenas um borrão.” Conferiu
tudo, mais uma vez. Fez contas. Calculou o total. Compôs o cabelo e arregaçou
as mangas da blusa às riscas. Tinha calor. Sorriu. Ouviu-se e, de repente,
ninguém. Mas foi a imagem dele que viu, quando olhou para as suas mãos,
enquanto contava as latas de atum e os pacotes de natas. Sim, ele estivera,
ali, com ela. Entre o açúcar
mascavado e o azeite.“ A senhora
desculpe, mas esta caixa é prioritária”. “ Tem razão, não reparei, desculpe,
estava distraída."
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domingo, 2 de junho de 2013
A lista de compras.
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