domingo, 2 de junho de 2013

A lista de compras.


                                                 A LISTA DE COMPRAS

Entra no supermercado. Grande. Claro. Amplo. Segue um rasto que ele tenha deixado, um traço de cabeça e corpo, ao longe. A lista, sabia-a de cor. Lembrou-se do que ele costumava comprar. Espreitou o corredor dos produtos de limpeza e arrumou no carrinho as lixívias, os detergentes, o sabão. Olhou em volta: “Precisaria de algum detergente?” Não havia a marca. Seguiu para o papel higiénico, o papel de cozinha, “Papel higiénico preto?!”. Ririam os dois. “A prateleira das velas?” Gostavam de velas, ou melhor, ela gostava de velas. Coloridas. Grandes. Pequenas. Perfumadas. Castiçais de vidro. Encontrou-as, escolheu uma a cheirar a sândalo – para afastar ‘o mau olhado’-, escolheu outra de ‘baunilha e canela’, para a cozinha. “A cozinha a cheirar a pudim Flan”. Por momentos, esqueceu-se de o procurar. Orientou-se  entre crianças, outras pessoas e doces, pensou nele a escolher bolachas. Com recheio de chocolate. Sim, ele compraria com chocolate para as meninas. “Vou levar as Maria torradas de marca branca, são mais baratas, têm pouco açúcar, eles gostam entre um jogo de computador e um exercício de matemática”. Não escolheriam as mesmas bolachas, mas não discutiriam. Arrumariam em lugares diferentes. Como fizeram com a vida. Alinhada - um lado diferente para cada um.“ Eu não lhe teria dado uma gaveta para as peúgas?! Se ele me tivesse pedido! Não pediu. Não quis. Eu não quis. Coração vazio. Gaveta sem nada lá dentro. Escolhi mal.” Lembrou-se que teria ainda de passar pelos congelados. Escolher pão. Pesar fruta. Não o encontrava em lado nenhum. ”Estaria na peixaria? Ele gosta de cozinhar peixe.” Sabor a maré. Sabor a beijos. Arrepiou-se. Lembrou-se da boca cheia de beijos. “Tenho de ir escolher iogurtes e esquecer. A partir de agora, a partir de ontem, quero deitar fora tudo o que não me fizer falta. Os beijos a saber a mar estão na lista das coisas de que não preciso. Os seus abraços vêm a seguir. As promessas coloquei no lixo para reciclar.” Iogurtes, leite, queijo, manteiga. De memória compunha o frigorífico e o armário das mercearias. Também não o viu a escolher café. Não estava nas massas, nem a seguir ao arroz. “ Ia jurar que tinha entrado à minha frente. Enganei-me. Seria outra pessoa. Está sempre a acontecer-me – vejo-o em todo o lado. Eu a querer seguir em frente e a saudade a insistir. Já posso ir para a caixa. Está tanta gente à minha frente! Vou olhar para a cara das pessoas. Vê-las até a sua imagem ser um borrão. Apenas um borrão.” Conferiu tudo, mais uma vez. Fez contas. Calculou o total. Compôs o cabelo e arregaçou as mangas da blusa às riscas. Tinha calor. Sorriu. Ouviu-se e, de repente, ninguém. Mas foi a imagem dele que viu, quando olhou para as suas mãos, enquanto contava as latas de atum e os pacotes de natas. Sim, ele estivera, ali, com ela. Entre o açúcar mascavado e o azeite.“ A senhora desculpe, mas esta caixa é prioritária”. “ Tem razão, não reparei, desculpe, estava distraída."

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