segunda-feira, 3 de junho de 2013

O que trazemos para casa, quando vamos a uma feira?

Maria Helena Vieira da Silva,La Bibliothèque en feu, 1974



O que trazemos para casa, quando vamos a uma feira?


Dependendo da feira traremos sempre qualquer coisa. Fruta. Uma peça de artesanato. Enchidos. Queijos. Um prato da Fábrica Alcântara. Um leque de madrepérola. Um chapéu  vintage ( agora dizemos assim). Um par de brincos. Um conjunto de psiché em madeira e prata. Uma moldura. A primeira edição de uma gramática do século XVII. Dependendo da feira, será o que trazemos para casa. Muito bem. Tem sido assim comigo. Eu gosto de feiras, mercados, gente a vender, a conversar, a gritar as pechinchas. Farturas. Churros. Cores, cheiros, gente e variedades. Pois. Hoje fui à feira do livro. Do livro. Certame que promove a leitura e hábitos culturais e afins, certo? Leitura e hábitos culturais. Hoje, não sei. O Tejo  lá estava,  em baixo, ao fundo do Parque. Gente animada. Gente a animar. O sol inspirado a ajudar. Disfarces. Farturas e churros. Queijadas de Sintra. Vinho do Ribatejo. Um espaço Lounge. Cachorros quentes. Sandes de couratos e copos de vinho tinto. Gelados da Olá. Barulho. Muito calor. Ginjinha de Óbidos. Uma estrela de telenovela que também é escritora-  se olhássemos bem também encontraríamos o contrário -  quase uma feira do livro. Livros, muitos livros e muito papel, com o barulho não consegui perceber que tipo de livros seriam. Autores sentados ao sol e à sombra. Autores com um monte de livros para assinar e muita gente à espera. Autores com um monte de livros para assinar e gente a passar sem parar. Autores. Livros. Feira do livro Parque Eduardo Sétimo. Dia 2 de junho de 2013. Livros que eu gostaria de ter comprado. É certo que teria que viver várias vidas para os ler todos. Mas estavam lá. E ainda estão os que eu não encontrei, porque não os consegui procurar. Gente, imperiais e garrafas de água, crianças a chorar. O sol muito quente. Tanta gente. A correr de um lado para o outro. Alguns a escolher os livros, a mexer nos livros. A comprar. Os livros em saldo. Compre dois e leve três. Dois pelo preço de um. Autor premiado, compre aqui a coleção completa e ganhe um livro de cozinha. Às 20h todos os livros com Mais 10% de desconto no preço de feira. E entre um copo de imperial um sorriso da atriz que também é escritora as pessoas circulavam, sacos de plástico na mão de calções e chinelos no pé. Ficariam mais cultos? Terão comprado livros, mesmo livros? Terão os editores justificados as promoções? Os escritores terão aguentado o sol, as moscas e as perguntas? Foi você que escreveu aquele livro sobre o cancro que se cura com amor? Escreve sobre as pessoas e isso é tudo verdade? O próximo livro é sobre o mesmo assunto? Tem projetos para livros novos? Aquela espécie de paraíso estava a tornar-se um inferno. Doía-me a cabeça, já não ouvia os altifalantes, nem me apeteceu ouvir o que o escritor da moda tinha para dizer. Nem a Clara Ferreira Alves, nem o Ricardo Araújo Pereira, nem o Urbano Tavares Rodrigues. A minha vénia. Mas não me interessa esta feira. Saí. Nenhum livro num saco de papel reciclável. Os livros ficarão nas estantes mais uns dias. Voltarei a horas mais literárias. Voltarei quando a atriz estiver nos écrans das televisões. À hora do Big Brother Especial. Petulância e Intolerância ao Marketing. Pensei. Talvez seja isso. Ajuda a vender livros. (Ajudará?). Misturar farturas com Cervantes e Fernando Pessoa soa-me se a dedada de gordura nos moinhos de D. Quixote ou na Ode Triunfal. Animação e livros, pelos vistos, não são incompatíveis, eu é que não gosto. Coisas minhas. Desta feira eu não trouxe nada. Não, não é verdade, trouxe a vontade  de voltar e  o abraço que dei à Helena Sacadura Cabral. Um benurom e o capítulo do livro que estou a ler mandarão a dor de cabeça e o marketing às urtigas. Um livro é sempre um livro. Uma feira é uma feira. Ponto final.


 

3 comentários:

  1. Trouxeste uma dor de cabeça e a vontade de nos presentear com esta útil e real visão dos subterfúgios da cultura. Estive lá uma semana antes de inaugurar e gostei. Estava calma. Nua. Com o Tejo como pano de fundo. Como eu gosto!

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  2. Já não vou à feira do livro há vários, largos anos. Mas não era esta, a feira que me recordo. Acho que tb não iria gostar assim.

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  3. Como sempre sem papas na língua, diz o que pensa e o que sente! Obrigada pelo belo texto.

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