quinta-feira, 13 de junho de 2013


Há dias assim e há noites quase iguais a assim.









 Gostaria de ter ido ver o mar. Gostaria de ter passeado à beira mar. Gostaria de ter olhado para o céu e sentir que as preocupações só valem o que valem, nem mais, nem menos. Gostaria que a minha mãe estivesse ao pé de mim e me explicasse, mais uma vez, como se faz compota de laranja. Gostaria de não ter sentido dores. Gostaria de temperaturas mais primaveris. Não gosto de calor. Pensei que nada acontece por acaso – se B ficou com C então B e C gostam da mesma canção (como na canção do Carlos Tê), embora B goste de canções e C faça sempre o trabalho de casa. Falei com duas amigas que se esqueceram de me telefonar ontem. Todos os anos telefonam no dia seguinte. O verniz que escolhi para pintar as unhas é encarnado e o meu filho João disse-me que nenhum homem gosta de uma mulher de unhas pintadas de encarnado. Encolhi os ombros e disse-lhe que a cor do verniz das unhas das mulheres é indiferente para a maioria dos homens. Expliquei-lhe que o encarnado o verde, ou o azul das unhas é apenas um pormenor que as mulheres acrescentam à sua vaidade. Não me pareceu que concordasse comigo e eu também não estou convencida. Li mais um bocado, de um fôlego só, da vida da Clarice Lispector. O José lavou o cartão de cidadão na máquina da roupa e ainda não sei se sobreviveu, enquanto escrevo tudo isto, oiço um cd chamado Quiet at the Kitchen Door. Depois do almoço - às vezes almoço - convidei uma amiga para tomar café e ela respondeu-me que sim, claro que tomaria um café, ou um chá, comigo… quando regressasse: “ Estou em Tóquio”. Bem, está certo. Afinal, a aldeia global tem alguma utilidade. Ao fim do dia, a minha vizinha de cima estendeu duas toalhas de praia, uma azul- turquesa e outra verde-alface,completamente encharcadas, dois traços coloridos e molhados sobre o meu estendal, uma linha branca de roupa omo lava mais branco, agora tenho várias peças íntimas de cor indefinida e duas camisas novas: uma parece uma túnica hippie, qual batik dos anos sessenta, a outra esverdeada, um verde nojento, que nem o Shrek  usaria. Somos apenas um ponto no Universo (com maiúscula),certo? Todo o dia pensei na greve do dia dezassete e tive de explicar que os professores não querem o mal dos alunos, nem estão a f…… (muitos pis) a vida aos meninos que querem ir para a universidade (“E, não minha senhora ao senhor ministro da educação (com minúscula) não lhe assiste razão nenhuma!”). Continuo sem perceber por que tenho tanta aversão a arrumar papéis e não sei onde arrumarei todos os livros que se têm acumulado junto às janelas e ao lado da minha mesa de cabeceira, nos últimos três meses. As flores amarelas, porque está mais calor, murcham muito depressa e há moscas e mosquitos a zumbir à volta da roseira da cozinha. Podiam ir manifestar a sua alegria para outra cozinha maior e mais moderna. Hoje escrevo assim, estas coisas da minha vidinha de que o O’Neil não gostaria, mas o O’Neil terá textos muito mais interessantes para ler - quem é que irá ler este rol de um quotidiano tão enfezado? – porque todo o dia ouvi Tout Doucement cantado por Feist,  cheguei à conclusão que o meu dia hoje não foi nem doce, nem suave, nem devagar. Há dias assim.

Enquanto uma amiga me pintava as unhas do tal encarnado fiquei a saber que o Santo António satisfará os desejos das meninas já desusadas e das velhas, ainda pecadoras, se o colocarem de cabeça para baixo, ou no congelador. Não tenho nenhum Santo António, mas se eu acreditasse em santos, pedir-lhe-ia um pouco de bom senso (pouco já é bom para quem não tem nenhum) para um rapaz de Boliqueime, que eu não conheço e mais uma parede no meu escritório. Não peço mais nada, porque não acredito nessas coisas. Mas tenho congelador.

E, como junho é o mês de Pessoa, vou para dentro a pensar (ainda que pensar seja estar doente dos olhos) que” [...] As cousas não têm significação: têm existência./As cousas são o único sentido oculto das cousas” Alberto Caeiro, XXXIX

Como amanhã, já é hoje, já ganhei algumas horas ao dia que está quase a nascer, as outras passarão, como tiverem de passar: há coisas sobre as quais nunca sei nada.

 À noite darei notícias. Se for esse o caso.

 

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